Nascer
Nascer é muito difícil. Ouvi essa frase de uma senhora que dançava solitária numa pista de dança: taça na mão e sorriso. Muito difícil, pensei. Talvez viver seja mais difícil, pensei.
Ou não?
Lembro de um texto da Paloma (bem curto) em que ela falava sobre o quanto acreditamos que nossos limites nos deixam aprisionados em lugares que não imaginamos alcançar e, quando percebemos, já estamos lá. Atravessamos a cerca. Como consequência fica um rastro de sangue pelo caminho. Luzes estroboscópicas. Viver é difícil. Taça na mão. É olhar para trás e enxergar seu sangue, sua pele, as cercas pela qual você atravessou e o quanto de você ainda resta olhando o mundo tentando entendê-lo.
Entender.
Entender é difícil. Não é a cerca, o sangue, o pedaço de pele preso e você vivo e com dor e com angústia e com medo e ansioso do outro lado que torna a vida difícil: é a flor que a vida te oferece em meio a isso tudo, e que você não pega, que torna tudo difícil. Você não quer dançar?
Eu quero.
Nascer é muito difícil porque, automaticamente, somos direcionados à obrigatoriedade que é viver. Para se viver bem somos direcionados à obrigatoriedade de entender como a vida funciona. Para entender somos direcionados à obrigatoriedade de enxergar. Obrigatoriedades e interpretações. Sempre rola porrada. Ela chora entre as luzes e sorrisos. A vida aparece com um sorriso às vezes, te oferece uma flor, um beijo e chances de imaginar cenários que você nunca imaginou. Isso acontece depois que você esquece da pele, da cerca e do sangue, apaga o caminho que ficou para trás e olha onde tudo pode chegar agora. Você dança bem, sabia?
Às vezes a vida é dançar na pista sozinho porque era isso o que você sempre quis durante tanto tempo: uma pista pra dançar na sexta de noite. Não importa estar solitário, que a bebida esteja ruim, que a música não agrade e que seus sapatos não combinem com o jeans velho. Às vezes a felicidade já chegou, mas as marcas que ficaram te impedem de entender tudo isso. Muita cerca, muito sangue, muita pele, muito medo. Às vezes, a vida oferece uma flor. Muita vontade, muita desconfiança, muito desejo, muita solidão. E a gente decide se deixa ela despetalada ou enfia num jarro de água.
A felicidade já chegou, é preciso entendê-la para além do rastro de nós.
Na pista ela dança: luzes, sorrisos e choros.