os presentes

Paloma Palacio
Revista Transversal
2 min readJan 21, 2019

No bolso lateral da mochila pequena, ele guarda um pacote de Gift que parece novo e um isqueiro que parece novo também. Fico emocionado demais. Na verdade, tudo nele parece estar em perfeito estado. A camiseta impecavelmente passada; a calça é um pouco larga, segurada por um cinto grosso. Mas se ajusta bem ao corpo. Um par de tênis modelo antigo que parece novo, lembra cheiro de loja. Cheiro de plástico-bolha e ar condicionado comprimido. Olhando bem, além da calça, a camiseta também parece folgada demais. Como se ele tivesse emagrecido muito rápido nos últimos meses e as roupas não tivessem acompanhado as novas formas do corpo. Minha vó chamava isso de dieta da tristeza, e fazia uso do romantismo da expressão pra despistar a gente do motivo real da sua magreza. Os netos caíam então aos seus pés, pedindo desculpas por não lhe dar atenção suficiente, ou prometendo mimos diversos. Coisas absurdas. Ela morria de rir da nossa cara. O Nico, o mais culpado de nós, uma vez lhe jurou um jet ski. A Jana, que disputava acirradamente com ele, uma caixeta de música que só tocasse Chopin. Tocasse quem, minha filha? Nenhum dos dois jamais cumpriu com as promessas. Vovó sabia disso, era o que dava às suas risadas mais gosto, mais sabor. Busco os olhos dele agora, em busca da tristeza. Vejo um pouco, não sei se é suficiente. A barba é rala, mas espinhosa. O nariz adunco, pincelado de cravos. O quanto é preciso pra entrar de dieta, vó? Não consigo pensar em outra coisa. Apenas no cheiro de loja. Sinto a visão ficar turva. O maço de Gift. Me sinto um pouco enjoado. Quero abraçá-lo, de repente tenho muito carinho por esse homem. Parece que o Nico perdeu seu posto, afinal, o mais culpado acho que fui eu. Mas ele salta na Central antes que consiga lembrar das chinelas de madeira.

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