Pensamentos sobre uma fotogravura de Thereza Miranda*

Liana Monteiro
Revista Transversal
2 min readJan 16, 2019
Silêncio — Silêncio — II Machu Picchu, 1976. 30x40

Parte I — Vento

em seu esforço de remover a inércia das folhas.

Há folhas?

Há verde.

A inscrição “Machu Picchu” remove as folhas e

em seu lugar

inculcam-se pedras.

Parte II — A invariabilidade de uma pedra

o que causa ao instante em que

se fotografa?

Capta-se

o movimento?

Capta-se

o salto quântico?

O reordenamento quase secreto dos minerais?

Parte III — Sais

de prata no filme fotográfico

à luz, remontam, a um só tempo:

ao olho do passado e à imagem

revelada no futuro

(revelar seria

fazer surgir o que não

mais existe?).

Parte IV — Soluções alcalinas

de um papel submerso

interrompidas

para o efeito de estampar o

vazio,

criar a impressão

de uma cidade aérea

vazia, submersa

a dois quilômetros

acima do mar.

Parte V — Recobrar o instante

na matriz encoberta de pigmentos

(são verdes),

fazer surgir nova excitação:

transpõe-se um instante a outro;

impressiona-se, assim, uma pedra

e depois outra — constrói-se

uma cidade.

Parte VI — Intervenções manuscritas

interpretam vazios e

contentam-se

em não deixar,

tal como o ácido,

que o impulso

de completar-se

dilua o verde enigmático

das pedras

em apenas

verde.

Parte VII — Vejo

Machu Picchu

ou seriam

os rastros dos átomos

a envelhecerem

continuamente

sobre nova superfície?

*Thereza Miranda, ou simplesmente Thereza, como gosta de ser conhecida, é uma gravadora, pintora e desenhista carioca. Trouxe para o Brasil, na década de 70, a técnica conhecida como fotogravura, depois de ter estudado no Croydon College of Art de Londres. Seus trabalhos incluem imagens de cidades latino-americanas e de fachadas, portas, telhados e detalhes da arquitetura brasileira. Uma de suas grandes preocupações é a preservação do patrimônio histórico nacional.

A exposição “Instantes Múltiplos”, dedicada à sua obra, está em cartaz no Museu Nacional de Belas Artes, no Centro do Rio. A boa dica é que o Museu, por ocasião de seu aniversário de 82 anos, está com entrada gratuita até dia 31 desse mês. Então não tem desculpa para não conhecer o trabalho de Thereza ;)

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Liana Monteiro
Revista Transversal

Quase azul. Uma canção de jazz, uma caminhada pelo vento. E vou levando a vida. Escrevo: contos, crônicas, diários, feitiços e, sobretudo, poesia.