Tempo Livre

Liana Monteiro
Revista Transversal
2 min readApr 24, 2018

Ouvir música enquanto se espera…

Num banco sujo, num degrau de escada, na sarjeta. Apertar o play e recriar o mundo com uma trilha sonora. Reparem como as folhas ficam mais ou menos verdes, a depender da música escolhida. Ou como o dia começa a prometer mundos e fundos — e fundos e fundos. É como se a gente visitasse as loucas, as bêbadas, as alucinadas, as sonhadoras que habitam a nossa margem. A música no ouvido faz os ossículos vibrarem de tal maneira que somos desalojados do tempo comum — o tempo do trabalho, das horas marcadas, dos compassos seguros. Porque não há como este corpo vibrante habitar tamanha desolação. Ele parte, então, para um universo de sonho, em que tudo é possível. Voar, por que não? A música nos meus ouvidos é música para meus ouvidos. Paz, liberdade, consciência. Durante a espera abrem-se caminhos, e somos encorajados a conhecer os outros, os outros que somos. Personagens distintos, que podem abandonar a rotina, o dia de trabalho, o compromisso para hoje mais tarde… Pelo menos durante três minutos e meio. O que é o tempo dentro da música? Presença, presença. Se pensar em outra coisa, amiga, perde o compasso. É preciso estar ali, sem outros pensamentos senão aqueles regidos pelas notas musicais. Engraçado que tenho uma ideia já há algum tempo (ta-TA, ta-TA) sobre a relação entre lugar e música. Os acordes são um lugar. Cada um deles. E tem aspectos diferentes: tenebroso, vasto, límpido, luminoso. Ouvir música é passear, cuidando da vida, olhando para si. Quanta luz eu ouço! Sentada e esperando, as pernas abertas de esquecer os modos de menina. O universo está aberto. E atravessam para o lado de cá os desconhecidos: desejos escusos, noites de muito sonho, a lua gigante, seus olhos…

A espera termina. É preciso subir os degraus, entrar na sala pequena. Tirar os fones. Fechar as pernas e a porta.

Do lado de fora, alguma coisa ainda toca.

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Liana Monteiro
Revista Transversal

Quase azul. Uma canção de jazz, uma caminhada pelo vento. E vou levando a vida. Escrevo: contos, crônicas, diários, feitiços e, sobretudo, poesia.