A constante guilhotina

Alexandre Rodrigues Alves
Revista Acréscimos
3 min readMar 2, 2017
Claúdio Ranieri foi demitido do Leicester semana passada (Foto: The Independent/Getty Images)

Depois de um ano e sete meses no cargo de técnico do Leicester City da Inglaterra, o italiano Claudio Ranieri foi demitido na quinta, 23 de fevereiro. A medida, apesar da campanha ruim da equipe na atual temporada do campeonato local (a equipe está na beira da zona do rebaixamento), chocou o mundo do futebol. Primeiro pelo fato de Ranieri nem ter tido direito de decidir a classificação em casa com a equipe, no jogo de volta das oitavas de final da Champions League (perdeu por 2x1 do Sevilla na ida). Segundo por tudo que ele fez na temporada passada, levando os “Foxes” ao surpreendente título do Campeonato Inglês.

Porém esse tipo de demissão vem sendo até repetida nos campeonatos europeus, que antes eram conhecidos como mar de tranquilidade e estabilidade para os treinadores, em contraste com a bagunça generalizada na questão que vemos (até hoje e cada vez mais) aqui no Brasil. O futebol de “planejamento” na Europa muitas vezes tem sido submetido ao mesmo tipo de pressão que é comum por aqui.

A presença de donos endinheirados nos clubes faz com que a exigência por títulos e melhores colocações, até mesmo para times médios, seja cada vez maior. Casos por exemplo do Valência, que foi adquirido por um milionário de Cingapura e já teve duas trocas de técnico na temporada, assim com a Inter de Milão que foi comprada por um grupo chinês e conseguiu a proeza de demitir um técnico (Roberto Mancini) no meio da pré-temporada para trazer outro (Frank de Boer) que também já foi despedido, mostram que a exigência elevada, além da falta de conhecimento de futebol por parte dos donos, levam a essas mudanças que, na maioria dos casos, não levam os clubes a patamares muito melhores logo de cara. Claro que o investimento elevado desses magnatas pode dar certo em algum momento (casos de Chelsea, PSG e Manchester City), mas para que o trabalho dê frutos, leva tempo.

No caso específico do Leicester, os donos são tailandeses e, mesmo com o título da temporada passada, não tiveram receio de, ao ver o time mal nessa temporada, demitir o mentor da campanha vitoriosa de 2016. É certo que Ranieri nunca foi um treinador brilhante e agora começam a pipocar notícias de que ele já tinha certos problemas de relacionamento com alguns dos jogadores da equipe. Mas não deixa de ser uma constatação dos novos tempos, cada vez mais efêmeros do futebol como um todo.

Mas, mesmo com toda essa mudança de comportamento que conseguimos enxergar em parte do futebol europeu, eles ainda não chegam perto da neurose que encontramos no futebol brasileiro. A pressão midiática para demitir qualquer treinador que não tenha ainda um status de grande nome no mercado, faz com que a torcida entre nessa roda viva de pressão e os dirigentes — normalmente passionais e dependentes do apoio de torcedores, muitas vezes das organizadas, para se manter no poder — acabem tomando a decisão de demitir treinadores, em vários casos no início de trabalho.

Gilmar Dal Pozzo foi demitido do Ceará e ainda sofreu ameaças da torcida organizada do clube (Foto: Christian Alekson/CearaSC.com)

Só para se ter uma ideia, tivemos num mesmo dia, a demissão de 4 treinadores de times de série B e C, que foram eliminados na Copa do Brasil. Ceará, Figueirense, Fortaleza e Náutico não tiveram pudor em demitir seus treinadores ainda no meio de fevereiro, depois de fazerem toda a pré-temporada com eles e, provavelmente, algum planejamento para o restante do ano. Claro que existem casos e casos de pressão que levam à demissão, mas não dá para negar que vivemos numa esquizofrenia, num redemoinho que leva a um clima de constante guilhotina no futebol brasileiro.

Das muitas coisas que precisam ser mudadas no futebol brasileiro, a continuidade de trabalho dos treinadores, independente da pressão da mídia e da torcida deveria ser uma delas. A construção de um estilo de jogo mais definido e constante em cada clube certamente passaria por isso. Mas enquanto vivemos nessa constante fogueira de mercado, dificilmente isso acontecerá infelizmente.

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