A nulidade do óbvio

Alexandre Rodrigues Alves
Revista Acréscimos
5 min readNov 28, 2018

A confusão na final da Libertadores entre Boca e River é uma derrota para todos no futebol sul-americano.

Será que temos mesmo uma “nova Conmebol”? (Foto: Conmebol.com)

No dia 29 de maio de 1985, o confronto entre torcedores do Liverpool e da Juventus, antes da final da Liga dos Campeões da Europa, no Estádio de Heysel, na Bélgica, causou a morte de 39 pessoas e deixou mais de 600 feridos. De forma bastante triste, o jogo aconteceu, mesmo logo depois de tantas mortes e com outros tantos feridos.

Porém, depois dessa tragédia, o futebol europeu mudou muito em termos de segurança e punição. Claro que os casos de violência entre torcedores não cessaram totalmente, principalmente fora de campo, mas o fato de deixarem os times ingleses de fora das competições européias por 5 anos (muito por considerarem os torcedores do Liverpool culpados pela confusão) fez com que, a partir dessa punição dura e com acertos no controle e da segurança em geral, o encontro para uma partida de futebol no continente europeu se tornasse algo muito mais civilizado.

Andamos 33 anos no tempo. E já adianto que não quero usar a comparação entre o que houve na Bélgica em 85 e o que ainda está acontecendo na Argentina em 2018 na questão da final da Copa Libertadores da América para apenas desmerecer a cultura sul-americana. Violência é violência em todo lugar do mundo e, como está claro por “n” casos de guerras, conflitos, e brigas no futebol (inclusive nesta semana na UEFA Champions League), a Europa não é um lugar totalmente pacífico nesse sentido. Porém, não há dúvidas que as punições e a organização do comando do esporte funcionam melhor por lá, em muitos aspectos.

A indefinição para que se defina a sede da final da Libertadores após os atos de selvageria praticados pela torcida do River Plate na chegada do Boca Juniors ao estádio Monumental de Nuñez causa uma situação patética, mas que é totalmente compatível com a política tosca que a Conmebol faz para aplicar punições reais aos casos problemáticos que acontecem em suas competições. E o fato de cogitar levar a final para fora da América do Sul, pensando apenas no fator financeiro ao invés de tentar moralizar o seu principal torneio, também não surpreende; com essa confusão, o seu presidente, Alejandro Domínguez, arranjou um pretexto praticamente perfeito para justificar a bizarra ideia da final em jogo único, que será posta em prática a partir do ano que vem.

Além disso, o fato de não se cogitar a possibilidade da partida final ser simplesmente cancelada por um fato tão escabroso, como foi o ataque ao ônibus do Boca, mostra que, não só em termos de organização, estamos distantes de um sociedade mais livre das influências políticas. Por mais que o Boca tenha razão em querer o adiamento, só o faz agora pois seria o beneficiado.

Se a possibilidade de levar o jogo para fora do nosso continente já é um acinte à todas as pessoas envolvidas de forma pacífica com a Libertadores, a cultura de “ter de acontecer o jogo”, sob qualquer circunstância, também é nociva ao torneio e a própria necessidade de se discutir o que acontece por aqui a tanto tempo; não adianta romantizar as violências que, de certa forma, viraram folclore em torno dos nossos campeonatos.

Em resumo, o ideal seria saber o que se fazer; na verdade algo que existe, mas muitas vezes não é respeitado, chamado REGULAMENTO, já diz o que deveria ser feito em uma situação como essa; veja abaixo os artigos 8º e 18º do Regulamento Disciplinar da própria Conmebol.

ARTIGO 8º — RESPONSABILIDADE OBJETIVA DOS CLUBES E ASSOCIAÇÕES MEMBRO

1. As Associações Membro e os clubes são responsáveis pelo comportamento de seus jogadores, oficiais, membros, público assistente, torcida assim como de qualquer outra pessoa que exerça ou possa exercer em seu nome qualquer função por ocasião dos preparativos, organização ou de realização de uma partida de futebol, seja de caráter oficial ou amistoso.
2. As Associações Membro e os clubes são responsáveis pela segurança e pela ordem tanto no interior como nas imediações do estádio, antes, durante e depois da partida da qual sejam anfitriões ou organizadores. Esta responsabilidade estende-se a todos os incidentes que de qualquer natureza possam ocorrer, encontrando-se por isso expostos à imposição das sanções disciplinares e do cumprimento das ordens e instruções que possam ser adotadas pelos órgãos judiciais.

ARTIGO 18 — SANÇÕES QUE PODEM SER IMPOSTAS ÀS ASSOCIAÇÕES MEMBRO E CLUBES

1. As seguintes sanções poderão ser impostas, individual ou conjuntamente por uma mesma infração, às Associações Membro e clubes, em conformidade com o Artigo 64 dos Estatutos da CONMEBOL:
a) Advertência.
b) Repreensão, advertência ou aviso.
c) Multa econômica, que nunca será inferior a CEM DÓLARES AMERICANOS (USD 100) nem superior a 400 MIL DÓLARES AMERICANOS (USD 400.000).
d) Anulação do resultado da partida.
e) Repetição de uma partida.
f) Dedução de pontos.
g) Determinação do resultado de uma partida.
h) Obrigação de jogar uma partida de portas fechadas.
i) Fechamento total ou parcial do estádio.
j) Proibição de jogar uma partida em um estádio determinado.
k) Obrigação de jogar uma partida em um terceiro país.
l) Desqualificação de competições em curso e/ou exclusão de futuras competições.
m) Retirada de um título ou prêmio.
n) Retirada de licença.
o) Proibição de venda e/ou compra de ingressos.
2. Os órgãos judiciais poderão impor uma ou várias das sanções expostas no numeral anterior pelo cometimento de uma mesma infração.

A partir daí, fica óbvio que uma medida severa seria um exemplo para que episódios como os acontecidos no último sábado fiquem, ao menos, mais próximos de serem controlados no futuro a partir de uma punição de fato. É algo até óbvio o que estou dizendo. Mas a nulidade do óbvio, muitas vezes, faz com que tudo seja dito, mas nada seja feito verdadeiramente para mudar as coisas.

Aonde quer que a final ocorra, ainda mais fora da América do Sul e após toda essa demora, a derrota será mesmo de todos, vencedores ou vencidos

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