Nenhuma surpresa

A demissão de Rogério Ceni no São Paulo, dentro da rotatividade de técnicos no Brasil, não surpreende — assim como a atual incompetência administrativa do clube paulista

Alexandre Rodrigues Alves
Revista Acréscimos
4 min readJul 4, 2017

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Como tudo indicava desde quando aceitou a proposta do São Paulo, Rogério foi para o banco de reservas de um time principal cedo demais (foto: Igor Amorim/saopaulofc.net)

No dia 18 de dezembro de 2005, Rogério Ceni e Steven Gerrard se encontravam no gramado do Estádio Nacional de Yokohama para a decisão do Mundial Interclubes entre São Paulo e Liverpool (ING). Dois jogadores identificados com suas equipes, capitães e líderes dos seus elencos. Durante a partida, uma jogada emblemática, para sempre lembrada pelos torcedores das duas equipes, simbolizou aquele jogo. Em uma cobrança de falta do meia inglês, o goleiro brasileiro fez uma defesa fantástica e, depois de fazer mais algumas intervenções espetaculares, garantiu o 1x0 no placar e o tricampeonato mundial para o Tricolor Paulista.

Doze anos depois no dia 3 de julho de 2017, os destinos de Rogério e Gerrard se cruzaram de alguma forma novamente. Enquanto o ex-camisa 8 dos Reds assumia o time Sub-18 do Liverpool, o ex-camisa 01 era demitido após 6 meses no comando da equipe principal do São Paulo. Após 37 jogos, com 14 vitórias, 13 empates e 10 derrotas, mas principalmente com 3 eliminações traumáticas já no primeiro semestre (Campeonato Paulista, Copa do Brasil e Copa Sul-Americana), o ex-goleiro passou pelo processo de fritura que praticamente todos os treinadores sofrem no Brasil.

Doze anos após essa foto, os destinos de Rogério e Gerrard se cruzaram novamente, por vias tortas…(Foto: Associated Press)

No caso dele, porém, essa situação de pressão foi criada desde o dia do seu anúncio como treinador da equipe PRINCIPAL do São Paulo. E isso não tem nada a ver com a torcida contra dos rivais ou até mesmo de parte da mídia. Era claro que havia um risco enorme de alguém que parou de jogar profissionalmente em 2015, fez poucos cursos preparatórios para a função de treinador e, principalmente, não tinha nenhuma experiência no cargo, não ir tão bem nessa situação. E nesse caso Rogério tem culpa em aceitar, ou até mesmo propor, a situação (como foi dito em muitas ocasiões, ele apresentou um projeto de trabalho para a diretoria).

Rogério poderia ter construído sua carreira de forma mais progressiva, trabalhando em clubes menores, ou mesmo na base do São Paulo, ganhando experiência de campo e métodos de treinamento na prática. Guardiola e Zidane, para citar dois grandes exemplos recentes, começaram suas carreiras nos times B de Barcelona e Real Madrid respectivamente.

Porém, Ceni aceitou treinar o clube em que jogou por 25 anos “pela glória”, mesmo sabendo que ele poderia ser usado pela diretoria como escudo para a eleição que aconteceu em abril. O atual presidente, Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco, conseguiu a reeleição, porém só pensou em ter uma marca no banco, sem se importar com a falta de experiência do ídolo.

Dentro de campo, Rogério tentou começar seu trabalho com um estilo ofensivo, sempre no 4–3–3 e tentando pressionar o adversário. No entanto a defesa mostrava falhas repetitivas e com isso o próprio Ceni se sentiu obrigado a mudar um pouco o sistema, fazendo o time jogar mais protegido, mas sem a mesma volúpia no ataque. Assim sendo, o time se tornou mais previsível, mas não deixou de ser vulnerável. A animação do começo da temporada logo se dissipou e o time ficou insosso. Mesmo mais organizado, em teoria, foi eliminado com duas derrotas em casa para Corinthians e Cruzeiro no Paulistão e Copa do Brasil. Para completar, um empate desastroso contra o Defensa y Justicia (ARG) fez o time sair também da Copa Sul-Americana, fazendo restar apenas o Brasileirão como competição para 2017.

Vinicius Pinotti, diretor de futebol e Carlos Augusto de Barros e Silva, o Leco, presidente. Venderam muitos jogadores e garantiam Rogério Ceni no cargo até semana passada…Mas como o futebol é dinâmico…(foto/reprodução: spfc.net)

Mas obviamente a incompetência, que já se tornou crônica da diretoria do São Paulo consegue ser ainda maior. Desde 2009, o clube se arvorou da prerrogativa de ser o maior clube do Brasil. Porém os seus rivais cresceram em vários sentidos, desde a parte estrutural, até na questão de preparo físico dentro de campo (problema visível e imutável no São Paulo nas últimas temporadas). Em um sistema ditatorial, mudaram estatuto para garantir a reeleição de Juvenal Juvêncio em 2011. Depois, com Carlos Miguel Aidar e agora com Leco, o mesmo grupo político se manteve no poder e o time viveu (e ainda vive) uma interminável reformulação, com saída constante de jogadores para pagamento de dívidas (principalmente bancárias) e contratações discutíveis para remontagem do grupo de atletas.

Ao se escorar em um ídolo (dentro de campo) e depois queimá-lo após um semestre de previsíveis dificuldades, a diretoria do São Paulo sintetizou todos os vícios do futebol brasileiro, sem muita criatividade ou novidade. A saída de Rogério Ceni repete as quedas de vários outros grandes nomes de ex-jogadores quando foram treinadores em clubes brasileiros (são tantos os casos, mas para sintetizar podemos lembrar de Falcão no Internacional). Além disso, apenas mascara a própria incompetência administrativa em não acreditar no chamado “projeto”, que claramente não existe em clube algum por essas bandas.

Falando especificamente de Rogério Ceni. Que ele se prepare melhor, caso queira verdadeiramente ser treinador e possa, com o passar do tempo, ter sucesso na carreira. A história que ele construiu dentro de campo não será apagada, mas para vencer fora de campo, a humildade também é necessária. O exemplo de Gerrard na Inglaterra poderia ter sido seguido mais cedo.

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