Pedro Ramalho
brasil LOVE
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2 min readOct 19, 2020

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Dênio Simões/Agência Brasília

O DIA DOS ADEUSES

Era hora de dizer adeus. E aquele adeus tinha sido triste — mas afinal, qual adeus não é? Dos vários adeuses que a vida nos obriga a dar, há aqueles que são por que o presente nos expulsa, e há aqueles que são por que o futuro nos chama — ambos tristes. E no caso de Camila, tinha sido os dois.

A viagem estava marcada para a madrugada do dia vinte e seis de janeiro, e o dia vinte e cinco ficou registrado em sua mente como o dia dos adeuses. Dia dos adeuses pois seria o dia de despedir-se das coisas e pessoas que mereciam despedidas.

Sua passagem foi comprada com a antecedência de um mês; e apesar de Camila não estar morrendo ou qualquer coisa parecida, ela chegava ao fim de um ciclo — e via toda sua vida passar constante e repetidamente diante dos seus olhos.

O primeiro passo, primeiro ato falho, primeiro beijo.

O primeiro salto, primeiro atraso, primeiro medo.

É óbvio que naqueles trinta dias não foram apenas os “primeiros” a serem recobrados. Os primeiros ficam marcados, evidentemente, por causa do ineditismo, mas seu primeiro passo não fora o passo que mais a orgulhava, tampouco seu primeiro beijo o mais apaixonante ou seu primeiro medo o mais aterrorizante. Porém, o medo de dar adeus, seu medo mais novo, se tornara momentaneamente o mais amedrontador.

Foi difícil comunicar à sua mãe que aquela cidade não mais a comportava e que seu seio não mais a nutria.

Foi difícil falar ao seu pai que ela, mulher, se aventuraria noutros ares e que faria novos amigos e amaria novas pessoas.

Foi difícil convencer seu namorado que ele não fez nada de errado e que, na contramão de todos os clichês de términos, era realmente algo que tinha a ver com ela, e não com ele.

Foi difícil estar com seus amigos e escutar das suas bocas as várias histórias e risadas que foram compartilhadas durante os anos.

Foi difícil dizer para sua melhor amiga que todos os planos de convivência vitalícia teriam que ser substituídos.

O dia dos adeuses foi o dia mais difícil da sua vida. Mas o dia vinte e seis foi um dos mais fáceis.

A necessidade de movimentar-se falava mais alto e a certeza de que ela tinha dado e recebido amor naquele dia deu certa rigidez às suas pernas trêmulas e consistência ao seu andar. Então pediu compreensão aos seus pais por preferir ir sozinha à estação e nos primeiros minutos do dia vinte e seis de janeiro, acompanhada de um sorriso espontâneo, dirigiu-se ao futuro.

/Ramalho

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