É o fim daquele medo bobo — Halloween edition

Revista Chão
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3 min readOct 31, 2020

É isso. É assim que eu vou morrer. Não tem mais jeito. Acabou. Boa sorte.

Eu estava dentro de uma caixa de metal. A caixa estava suspensa por cabos e envolta por paredes de concreto. Sufocada, eles vão dizer, ela morreu sufocada. Quando se olha demais para um ponto fixo ele parece se mexer, será por isso que as paredes parecem vir em minha direção? Ave Maria, cheia de graça, bendito sois o santo anjo do senhor, meu zeloso guardador, se a ti me confiou seja feita a sua vontade, assim na terra como nessa maldita caixa de metal, merda, merda, merda. Uma gota de suor se mistura a uma lágrima e, assim como o milk-shake de orações, não dá pra dizer quem é quem. É possível apenas afirmar que o corpo está em estado de alerta máximo. PERIGO, PERIGO, PERIGO, gritam os divertidamente na minha cabeça. Uma sábia senhora, talvez o tal anjo do senhor, toca meu ombro: calma querida, é só tocar o botão de emergência que eles logo nos tiram daqui. Em 3 minutos a porta se abriu e eu saí disparada do elevador repetindo baixinho: mulheres e crianças primeiro, mulheres e crianças primeiro!

Tenho medo de contrair covid? Tenho, claro. Tenho medo de contrair qualquer doença que exista e que tenha chegado ao meu conhecimento. Tétano, por exemplo, é doença que me assombra diariamente. Qualquer cortinho na mão ou no pé, pronto, peguei tétano. Vou morrer de tétano. É a minha cara morrer de tétano. Não sei se vocês sabem, não é só com coisas enferrujadas que se pega tétano. É mais fácil do que se imagina. E você provavelmente está com a vacina de tétano atrasada, pode conferir, olha lá na sua carteirinha de vacinação os 30 anos atrás que você tomou essa vacina. Outro medo de doença que tenho é de pegar botulismo com lata de comida enferrujada. Mas divago. Meu medo mais recente não é a covid, é ter que ser TESTADA para a covid. E eu não estou falando do cotonete gigante, não. Estou falando do teste com a gotinha de sangue. Cortes no dedo me afligem de um tanto que, eu não estou exagerando, está sendo difícil pra mim escrever essas últimas três linhas. O furar o dedo com um alfinete, o apertar o dedo para sair a gotinha de sangue, o algodãozinho pra estancar depois…É de uma economia, uma praticidade, eficiência que admiro, mas me assombra. Para pessoas que, assim como eu, tem medos irracionais, não poderia ser criado um protocolo de testes mais humanizado? Eu sou uma pessoa razoável, estou disposta a negociar cortes no calcanhar, canela, parte superior das costas e ombros.

A pessoa desce no porão porque ouviu um barulho estranho e nem se preocupa em ligar a luz porque é assim em todo o filme de terror, pois ninguém paga a conta da eletricidade. Sempre será, anote, que sempre será algo tão previsível quanto alguém com uma serra elétrica ou então uma alma perdida ou então alma de uma criança perdida o que é golpe baixo que funciona. Bem, mas isto é previsível, pois é de conhecimento geral que são essas coisas que habitam um porão de verdade, porém isso não traduz o meu medo real, este que não envolve almas perdidas ou ferramentas de corte mas que envolve sim as baratas. No meu filme de terror ou no meu porão imaginário eu desço sem ligar a luz e com os pés descalços eu piso em todas as baratas que habitam o inconsciente da minha casa e esse é meu fim.

[por Ceci, Gabi Favarini e Raquel Carvalho]

[a ordem dos nomes não reflete a ordem dos parágrafos] [e vice-versa]

[Jordana está ausente nesse edição, mas aguardamos ansiosas pelo seu retorno ♡]

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