beijar na boca é bom não estrague esse momento

Revista Chão
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3 min readSep 30, 2020

Mas por que beijamos na boca? Eu perguntava ainda com pouca idade quando ainda acreditava que o beijo técnico era realmente de verdade — nossa, nas novelas eles beijam tão bem tecnicamente, né mãe? Sim, filha.

Então eu fui beijar também. E foi atrás do muro do colégio que eu beijei o beijo mais gelado da minha vida. E era verão. Um beijo glacial, gélido, álgido, cortante ou em outras palavras descontente, desanimado, assombrado, atônito, petrificado e com certeza dado por um caminhante branco. Coloquei a mão no pulso do menino para ver se ainda pulsava — que alívio. Teria ele me enganado e me beijado de forma técnica como fazem na TV enquanto eu queria um beijo de verdade — pensativa.

O que é isso? perguntei. É Halls preto, quer? Ele respondeu com o hálito gelado, cortante, glacial, desanimado, petrificado, descontente. Para minha sorte me dei por conta e saí correndo do local para sempre banindo halls preto, beijos gelados e também técnicos da minha vida.

Na faculdade, dependendo da festa que você vai, já presume que vai encontrar lá algumas pessoas específicas, e não outras. Não era assim com ele, que simplesmente se materializava na minha frente lá pelas tantas da madrugada, em lugares improváveis. Nos prováveis, ele não estava. Festa na casa dele, não via ele. Festa na casa de pessoas as quais eu não conhecia e nem sabia com clareza todos os passos que tinham me levado àquele lugar: lá vinha ele descendo a ladeira da garagem. Era, vamos dizer assim, um entusiasta da cannabis e eu atribuía a isso o beijo bom [carece de mais fontes]. Um lento bom. Até que um dia ele surgiu na minha frente e ficou parado. Ali. Na minha frente. Não falava uma palavra. Não querendo ser acusada de abandono de incapaz, peguei pela mão e sentei ele em um sofá que já tinha visto dias melhores, lá pela época do Brasil Colônia. Nesse dia acabei beijando uma pessoa ENTUSIASMADA. Dançava enquanto beijava, mexendo o corpo como se estivesse ouvindo uma salsa ou rumba cabana . Não estava tocando nada. Música alguma. Nem na casa nem num raio de 15 km da casa. Na faculdade, dependendo da festa que você vai, percebe que não devia ter ido.

Eu não tinha como saber o que era bom, pela falta de experiência. Mas uma coisa eu sabia, tomava como verdade absoluta inclusive: eu estava atrasada. Atrasada sim, atrasada demais, atrasada como o coelho de Alice. Todo mundo já tinha suas histórias de beijos e mais beijos, e mãos e paixões. Eu não havia dado beijo algum e definitivamente não sabia o que fazer com as minhas mãos, e pensando bem eu não sabia o que fazer com os meus braços inteiros. Já repararam como os braços são duas mangueiras estranhas que pendem das laterais do nosso corpo? Como existir assim, sendo tão desajeitada? Acho que o destino quis me compensar, essa minha ansiedade, essa inadequação de boneco de Olinda em uma loja de cristais e me enviou um cara que segurou a minha mão. Fez um sanduiche de mãos, as mãos dele fazendo as vezes de pão, por fora, e a minha mão direita encenando uma mortadela. Faz 17 anos que esse dia aconteceu e eu ainda lembro a temperatura das nossas mãos. A minha ansiedade com os braços havia encontrado enfim um ponto final nas suas extremidades. O beijo quando veio foi sofrível. Muita língua, muita saliva, muita abertura bucal. Mas das mãos eu nunca vou esquecer.

[por Ceci, Gabi Favarini e Raquel Carvalho]

[a ordem dos nomes não reflete a ordem dos parágrafos] [e vice-versa]

[Jordana está ausente nesse edição, mas aguardamos ansiosas pelo seu retorno ♡]

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