“Ginga e fala gíria; gíria não, dialeto”

Revista Chão
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4 min readJul 31, 2020

E aí caro leitor da Revista Chão, cê tá suave, meu truta? Tá conseguindo acompanhar a fita até aqui? Então firmeza, demorô. Cê tá ligado que pra gente aqui é muito importante o entendimento, né? E se o entendimento de si, de outro e do mundo, não são uns dos grandes desafios da humanidade, eu não falo é nada, pai. A gente tem que chegar e trocar uma zideia da hora, o problema é que às vezes azeda o pé do frango. Mas segue o baile. Há muitas maneiras de entender e se fazer entender. Estar disposto e aberto é pré requisito. Cagador de regra passa mal. Saber manejar o idioma, as possibilidades das linguagens e expressões, pô é lindo demais. Tudo tem o seu momento, tem espaço pra tudo, relaxa aí. Sei que tudo parece meio assustador aqui em SP, e eu já falei pra você parar de assistir Datena e merdas do tipo. Mas cê tá chegando hoje? Desembarcou ali na Barra Funda? Gente pacarái né, céloco. Mas viu, pode pedir informação que a gente dá de boa, Terminal Bandeira é pra lá ó, o Dom Pedro é ali, linha lilás pá zona sul é aqui mêmo, partiu quebrada, tá comigo tá com deus, pode encostar, só vâmo. Quer ir num samba vamos, risca faca da porra bóra, jazz com os boy cult temos lindão, show de rap no centrão e de graça credo que delícia, sertanejinho pá arrastar o chifre no asfalto temos também. Todo mundo tem voz aqui. Também fazemos ótimas manifestações, vandalizamos bancos como ninguém; não tanto quanto os franceses que qualquer coisa vão lá e queimam carros. Sei que a gente tem esse jeitão assim, e pode parecer que saímos diretamente de algum filme do José Padilha, Héctor Babenco ou Fernando Meirelles, mas dá uma chance, a gente é da hora, conversando a gente se entende. E a gente conversa sim, viu. Pessoal fala por aí que a gente não dá bom dia e só pensa em trabalho. Bem que a gente queria ter trabalho pra pensar, desemprego tá mil grau. Mas tâmo junto, mano. Pode vim. Não é tão “fácil” como parece ou como pareceu um dia, mas onde cabe um, cabe milhões. Mantenha-se longe da Faria Lima, cuidado pá onde o gps pode te levar, e sempre leve casaco e guarda chuva. É nóis!

Bota a mão na consciência, pensa um pouco! Muito espalhafatosa, não gostei. Fora de casa, o melhor amigo é o dinheiro. Eu não sei as medidas, vou fazendo de olho. O que ela tem? Tá amuadinha…Onde vai toda emperequetada assim? Aquele lá não sabe juntar lé com cré. Nossa, tudo ela põe reparo, que cricri. Não para quieta a menina, é arteira. Os pais ficam pra lá e pra cá atrás dela, e é bocuda também, responde atravessado. É falta de levar uns safanão, isso sim. Valhamedeus, meu cabelo tá horrível, sem corte, preciso ir no instituto. Filha, não deva nada pra ninguém. É inferno na terra. Nunca fica quites. Tá irritado porque tá com fome, aí fica fazendo fusquinha. Esse negócio de audiovisual…isso aí não dá camisa pra ninguém. Nossa, precisa ver a Simone zanzando lá na loja, parecia pinto no lixo. Barrabás! não para de falar um minuto, não tem refrigério.

Uma menina de São Paulo-capital me perguntou uma vez: “que maneira de falar diferente…de onde você é?”. Eu sou da minha casa, minha filha.

Guria, capaz?

Bah, eu tô que tô pra pedir demissão faz tempo. É muita picuinha, sabe, ontem mesmo peguei os guri falando mal daquele relatório horrível que eu fiz, tava horrível mesmo mas só eu posso falar mal. Amiga, calma, respira fundo. A galera é muito palha mesmo, baixo astral.

Não dá pra dar trela demais, eu sei. Tá e o que tu quer fazer agora? De trampo? Vou abrir um café, mais um café, eu sei, mas é que esse vai ser muito afudê sabe, meio astrológico lá perto do brique. Acho que tem um assim já guria, mas é bom desovar as ideias porque uma hora pinta algo certeiro. Eu achei um estabelecimento lá naquela rua… como é o nome mesmo? A rua que tem que pegar uma baita lomba pra chegar, sabe?

Ai cruz credo, tu nunca foi boa na lomba, amiga, vai deixar o carro cair de ré e já viu. Eu sei de um lugar muito mais confirmado lá na CB que parece que não tem nenhum café na rua principal. Capaz, onde? Aquele do lado do Xis!

Eu mandei o áudio, e como que muito preocupada com o interlocutor, eu fui ouvir meu próprio áudio, pra certificar de que me fiz entender. Porra, meu celular tá com problema? Que chiado da porra. Ah calma aí, será que selecionei muitas palavras com xis, puta que pariu, se eu me alongasse mais 3 segundos nessa palavra virava um assobio de tão chiado. Outra coisa, que tanto prelúdio é esse que eu dou antes de falar? “Deixa eu te falar”, “Então, te falar um bagulho”, “Se liga”. Desembucha minha filha, vagabundo não gosta de ouvir nada com mais de um minuto e meio. Vagabundo no sentido amplo da palavra, não é tanto pela falta de trabalho, mas todos somos vagabundos. Vagabundo não gosta de vacilão, vagabundo fala demais, vagabundo se diverte, vagabundo é todo mundo, e todo mundo é vagabundo, só achar teu rolê. Sabe coé? Quero saber se você sabe coé, que eu me preocupo com isso, se a pessoa tá ligada no que é e no que não é, então todo final de frase é sabe coé, sabe coé? É isso, tranquilidade pura, malz aê nos palavrões.

[por Ceci, Gabi Favarini, Jordana Machado e Raquel Carvalho]

[a ordem dos nomes não reflete a ordem dos parágrafos] [e vice-versa]

[a partir da próxima edição convidaremos escritoras para se juntarem a nós nesse exercício louco de escrita sem autoria definida]

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