Processo criativo: o que achamos que é

Revista Chão
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3 min readMay 24, 2020

A Revista Chão é formada por 4 mulheres e elas descrevem seus processos criativos que podem incluir ironias, cartas de amor, palavras cortadas e gramaticalmente incorretas.

E a pergunta que fica é: qual é o seu processo criativo?

Desde que a Revista Chão começou é frequente que eu seja a última, ou penúltima ou antepenúltima a acrescentar minha colaboração ao texto. Percebe? Como há 4 editoras nessa revista bastava dizer que eu nunca sou a primeira, mas dar essa voltinha pelas palavras me dá um certo prazer. Não digo que enrolo, eu nunca enrolo, se há uma atitude irritante nesse mundo é a procrastinação de conclusão. Mas eu procuro no caminho das minhas explicações dar tempo para digestão, tanto sua quanto minha, já que às vezes as coisas não são tão óbvias. Ou até são óbvias, mas ainda assim difíceis de descer garganta abaixo, ou nariz acima, se pensar que essa onda bate no cérebro. Meu embrião para escrever é que exista alguma coisa sobre a qual eu queira falar que, de tão embrionária a ideia, eu não me importe com o aviso de “4 min read” para me assuntar. Contraditoriamente, ainda que eu não me importe com o tempo, eu sempre fico por volta de “3 min read” quando escrevendo sozinha e “1 min read” quando na Revista Chão. Acredito que minha escolha por dialogar através de causos, e refletir a partir deles, influencie o tempo de leitura que ofereço: o embrião precisa ser simples, um minimalismo de ideias, porque eu não quero sobrecarregar ninguém. Curiosamente dessa vez eu fui a primeira a contribuir para esse texto, e lembrei-me que ironias diárias são o tempero da minha criatividade. Gosto de causos & dialética.

Meus pais namoraram por muitos anos através de cartas. Ele na Bahia, e ela em Santa Catarina. Lembro de mexer muito nessas cartas quando era criança. Sempre que surgia uma oportunidade, lá ia eu. Sabia onde ficava o tesouro: na última gaveta da cômoda. Os cartões de natal que já não tocavam mais música, a letra bonita do meu pai, a juventude da minha mãe. Um dia assisti uma peça de teatro e o cara falou assim: eu aprendi a ler pra ler Castro Alves. Quando folheava aquelas cartas, eu ainda não sabia ler. Talvez, no meu processo de aprendizagem, inconscientemente, eu tivesse um objetivo bem claro. Ao entrar na escola, já sabia ler e escrever. Minha tia Margarida me ensinou tudo, numa escolinha improvisada na sua garagem. Eu treinava a leitura lendo as cartas que contam a história de amor dos meus pais. Ficava imaginando se um dia eu ia iria entender tudo o que aquelas palavras significavam, ou se um dia iria viver uma história como aquela. Talvez o meu processo criativo, desde que aprendi a ler e escrever, até quando conheci as 3 editoras dessa revista, seja isso: ler e escrever pra imaginar e entender a história das pessoas, ou como as coisas seriam se eu não fosse eu.

O que eu mais gosto da escrita é a sua temporalidade. É mais lento que a fala. Você pode demorar o quanto quiser para ler e escrever. Qualquer coisa. E eu demoro. Quase todo o tempo que leva pra escrever um texto sou eu olhando para a parede. Depois eu escrevo lunaticamente, como se acometida por um episódio maníaco. Finalmente, vou revisar. Nesse estágio, coloco quinhentas mil virgulas, corto seiscentas mil palavras e procuro no google palavras que eu não tenho certeza da grafia, como seiscentas. Escrever pra mim é estar em um tempo que eu domino, controlo, decido quando começar e quando parar. Não tem nada a ver com a vida, e talvez seja por isso que eu goste tanto.

Eu era aficcionada por ditados quando era pequena. E adorava o processo de ouvir e dar forma à palavra ouvida no papel, mesmo que muitas vezes de forma errada. Enquanto a palavra exceção era o terror da turma, o meu dilema morava na palavra “também”, que eu sempre escrevia errado: tambén, tanben, tanbém e suas mil e uma formas gráficas. Essa palavra sempre caía no ditado de Português, para a minha sorte. Porque só assim descobri as mil e uma formas possíveis de escrever uma só palavra, antes de chegar na forma certa. E acho que o processo criativo segue um pouco essa dinâmica de encontrar uma maneira entre mil e uma formas de se fazer algo. Talvez essa maneira mude conforme o tempo, mas eu chamo de “certo” aquela maneira que faz você se sentir um pouco mais confortável na cadeira.

[por Ceci, Gabi Favarini, Jordana Machado e Raquel Carvalho]

[a ordem dos nomes não reflete a ordem do parágrafos] [e vice-versa]

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