Tô falando com quem?

Lila Cruz
Revista Goma
Published in
3 min readJan 17, 2017

A quem queremos atingir quando fazemos um zine?

Alguns dos meus fanzines

Fanzines podem ser feitos a partir de qualquer assunto (qualquer assunto mesmo!). Tem gente que faz zines fotográficos. Gente que faz zines experimentais, zines que contam pequenas histórias, crônicas, quadrinhos, poesias, contos e até pequenas reportagens.

Eu particularmente, até hoje, já me arrisquei nos fanzines de poesia, poesia ilustrada, quadrinhos e cartoons. De uns tempos pra cá, porém, aquela pequena pergunta “Qual o propósito disso tudo?” começou a ressonar dentro de mim, a cada dia mais alto. Pra quem eu estava falando? Pra onde aquilo tudo estava indo?

Eu sei, isso parte da presunção de que todo tipo de arte precisa de um propósito e um direcionamento de público, como se eu estivesse dentro da ideia de que preciso atingir o público x provocando resultado y. Não deveria ser tão matemático. Mas eu não consigo não pensar nisso. Em especial porque em algum momento da minha vida eu quis, num vislumbre utópico do que seria a carreira de jornalista, atingir a vida das pessoas e quem sabe provocar mudanças positivas, reflexões ou algo do tipo. Acabei aplicando esse desejo em tudo o que faço. O que não é necessariamente bom, porque né, desemboca nesse tipo de conflito (“zine precisa ter razão de ser?”).

https://thesadghostclub.com/collections/zines

A experiência de conhecer pessoas que leram o meu zine sobre ansiedade e compartilhar vivências com elas foi incrível. Quis replicar isso outras vezes, mas travei, não sei mais por onde começar. Não sei mais se começo me perguntando quem eu quero atingir, qual a mensagem quero passar ou se começo desenhando qualquer coisa mesmo.

Veja bem, esse incômodo também me atinge pelo fato de que não sei pra quem a gente está falando nesse mercado de zines e HQs. Olho nos eventos e não sei mais se estamos comprando porque uma coisa é bonita e atraente aos olhos, não sei se somos grandes colecionadores, se produzimos coisas pela beleza de produzir, pelo desejo de compartilhar sentimentos ou por tudo isso (ou nada disso). Não sei se estamos num culto cíclico onde quem compra uma hora produz e vende para quem vendeu antes, que vai produzir logo depois e então continuar a ciranda de nós-vendemos-para-nós-mesmos. Sem contar que, apesar de estarmos num momento de ampliação de público e produção, ainda somos de maioria classe média branca, que não está nem muito preocupada com quem está falando (ou o que diabos vai fazer com aquilo que produziu).

Isso já me incomodou mais, hoje meio que me bloqueia. Não consigo ainda enxergar propósito (ou se deve haver propósito), mas também não queria beirar a futilidade. Não queria ser uma caricatura do que os zines já foram, nem uma versão de punk comprada na galeria do rock. O negócio é que não definimos que mercado é esse, se isso é um mercado, um hobby, um negócio, arte. E nessa indefinição nasce muita coisa, mas também morre um monte de tema interessante, de trabalho interessante.

Só me resta continuar questionando e cobrando de mim mesma que nunca deixe de pensar em atingir públicos além da minha bolha classe média branca. Algum dia, quem sabe, atinjo pelo menos 1/10 deste objetivo. Com zine ou sem zine.

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