Nilsinho: “O Íbis querendo ser Alemanha, vê se pode!”

5 peguntas para…

…Nilson Filho, o filósofo das redes sociais do Íbis

Christian Carvalho Cruz
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4 min readFeb 13, 2021

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Sujeito de hábitos e crenças futebolísticas estranhas o publicitário recifense Nilson Filho. Quando criança, seu ídolo era… o Dunga. Só vestia a camisa 8 nas peladas do bairro e até o cabelo espetado do capitão do tetra ele copiava. Na adolescência, encantou-se pelo Íbis, tradicional saco de pancadas do Campeonato Pernambucano, decorou a maior glória do clube e passou a declamá-la com orgulho: 55 jogos, 48 derrotas, sete empates, três anos e onze meses inteiros sem ganhar de ninguém (1980–1984) — façanha registrada para a eternidade no Livro dos Recordes.

Hoje, aos 33 anos, Nilsinho é o pensamento afiado por trás das redes sociais do Íbis. Atuando no que ele chama de “duas frentes de trabalho”, o humor autodepreciativo e a gozação alheia, ele transformou o Twitter e o Instagram do clube em pequenos fenômenos da internet. Entre julho e setembro, o perfil @ibismania ficou entre os quatro mais populares do futebol mundial no Twitter. Perdeu só para os gigantes ingleses Arsenal, Chelsea e Manchester United, segundo levantamento da agência Sports Value. No Instagram, o @instabis ganhou 150 mil seguidores em 2020. Num e noutro, garantia de boas risadas. Um jornal escreveu que o “Íbis aposta no artilheiro Romário para afastar fama de pior time do mundo”?. O publicitário respondeu: “O atleta já foi afastado do elenco. Obrigado por nos avisar”. O time goleou por 7 x 1? Postagem com a foto do placar: “Printei esse vexame…” Vitória com golaço? “Desisto! Gol olímpico do nosso time. E os jogadores ainda comemoram.”

Inspirado pelo seriado do Chaves (“ele só apanha”) e os Trapalhões (“precisa explicar?”), Nilsinho salienta que sempre almejou levar o Íbis ao topo. “Não no futebol, que não tem como. Mas no campo aberto da internet a gente joga de igual pra igual até com o Barcelona.” É o que ajuda a pagar as contas. Se antes a saga de fracassos afugentava investidores, hoje o clube tem fornecedor italiano de material esportivo e até patrocinador na camisa. Nilsinho, no entanto, continua sem remuneração. “Estou na décima-primeira temporada. Meu acerto com a diretoria é de só ter salário quando o Íbis voltar à primeira divisão.” Mas não adianta ter pressa, ele sabe. A seguir, a conversa com o cabra.

Como você começou a gostar de um time que só perde?
Foi por causa de Mauro Shampoo, o maior craque da história do Íbis, nosso camisa 10 nos anos 1990. Aquela figura exótica, cabeleireiro na semana e meia-esquerda aos domingos, substituiu Dunga como meu ídolo de infância. Mais tarde, tive a honra de defender as cores do Íbis na tradicional Corrida de Mascotes que acontecia no Carnaval em Olinda. Cada time tinha o seu mascote correndo 1 quilômetro pelas ladeiras da cidade. Em 2011, eu liderava a prova, mas, perto da linha de chegada, quis dar aquela olhadinha pra trás, pra ver se alguém ameaçava minha vitória, e caí. Me esfolei todo nos paralelepípedos. Doeu, porém assegurei a fama do Íbis: não vence nem corrida de mascotes. No ano seguinte, ganhei. Aí a organização não achou graça e nunca mais realizou o evento.

Como os jogadores reagem às suas postagens esculhambando o time?
Hoje eles conhecem a nossa filosofia de trabalho. Mas, no começo, eu não podia aparecer nos treinos, que queriam me pegar. Em 2015, aconteceu a pior desgraça de nossa história: goleamos o Timbaúba por 8 x 2. Xinguei o elenco todo, disse que eles deveriam ter vergonha de pôr a cara na rua. Um atacante que tinha feito a metade dos gols levou a sério, ficou uma fera. Aí eu insisti: ‘Meu irmão, se você quer fazer gol, se quer vitória, títulos, vá jogar no Real Madrid. Aqui é o Íbis, pior time do mundo. Honre nossa camisa e trate de jogar mal!’

Na temporada passada, o Íbis venceu até jogo por 7 x 1. O que deu errado?
O ano de 2020 foi muito doido. Liverpool campeão inglês depois de 30 anos. Milan líder na Itália. O Atlético Mineiro no Brasil. Na Espanha, o Barcelona em sétimo lugar. Deve ser efeito da pandemia. De 2011 pra cá eu fui a todos os jogos do Íbis e nós seguimos firmes em nossa trajetória de derrotas. Agora estou trancado em casa e deu nisso. O Íbis querendo ser Alemanha, vê se pode!

Em meio a tantas alegrias, qual a sua maior dificuldade?
Como o clube joga pouco, o conteúdo gerado para as redes sociais é escasso. Em média a gente joga três meses só. É eliminado logo de cara e o resto do ano partimos para um período sabático. Por isso eu adotei uma nova frente de trabalho, que é zoar com os times grandes. Todo ano eu felicito São Paulo pela eliminação da Libertadores. É um exemplo pra nós. Já quis contratar Messi e Cristiano Ronaldo quando eles estavam mal. E também tentei trazer o técnico José Mourinho.

E o Mourinho não aceitou?
Rapaz, na passagem de 2015 para 2016 ele veio descansar em Porto de Galinhas depois de ser demitido do Chelsea, da Inglaterra. Eu já estava de olho nele, por causa da péssima campanha. Então escrevi um contrato, botei embaixo do braço e fomos ao hotel, eu e Mauro Shampoo, falar com homem. Quando cheguei, soube que ele tinha acabado de voltar pra Europa. Nosso contrato era bem vantajoso. Previa bonificação por sequência de derrotas, multa em caso de vitória e garantíamos um bicho gordo se perdesse por goleada: um gato ou um cachorro. Mas ele preferiu assinar como um outro time de vermelho (Manchester United).

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Christian Carvalho Cruz
Revista Grama

Eu escrevou uns negócio. Reportagens, perfis, livros, roteiros, fotografias.