TRAVES

Um ensaio fotográfico de Ana Carolina Fernandes

Tato Coutinho
Revista Grama
4 min readDec 23, 2019

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Ana Carolina Fernandes é filha de um jornalista histórico pela veia polemista e sobrinha de um dos maiores cartunistas que o país já conheceu. Natural então que seu olhar sobre o mundo carregue um pouco da verve de um — Hélio Fernandes — e do livre-pensar de outro — Millôr.

Reunida pela primeira vez para Grama, sua série dedicada às traves de futebol oferece uma legenda possível para o seu trabalho — o exercício de escancarar o que todo mundo vê mesmo sem perceber. “O futebol tem essa força irreprimível que pode brotar a qualquer momento em qualquer lugar”, diz a fotojornalista, 55 anos, 35 deles empenhados no ofício — “bastam dois pauzinhos e a mágica acontece”. Clique. Está lá, em cada uma das fotos que fez, das ruas de Havana, em Cuba, à beira do Rio Amazonas, no Amapá, como a lembrar Nelson Rodrigues — “no futebol, o pior cego é o que só vê a bola”.

Para Ana Carolina, essa história vem de longe. “Eu me lembro como se fosse hoje do futebolzinho de meia no corredor de casa com meus irmãos [ela, Rodolfo, Bruno e Isabella, nessa ordem]. A gente tinha uma cachorra boxer que era a goleira quando o jogo era na garagem.” Louco pelo espetáculo, o pai era dono de três cadeiras no velho Maracanã, uma delas mais tarde presenteada à filha.

Flamenguista, ela não esquece a primeira vez em que viu a mágica acontecer — um Botafogo e América, aos 13 anos de idade. “Meus irmãos me sacaneavam porque eu só tinha ido ao estádio para ver a chegada do Papai Noel”, se diverte. “Botafoguense doente, uma vez Bruno não tinha com quem ir ao jogo e então me levou. Nunca mais tive uma sensação como aquela”.

Ela não se conforma com o que fizeram com o estádio na reforma faraônica para a Copa no Brasil, em 2014. “Uma violência. O Maracanã era uma entidade viva, você sentia ele pulsando. Hoje é um morto-vivo.” Na única vez em que esteve na “arena padrão Fifa”, saiu no meio para nunca mais voltar. “É muito triste o que fizeram com ele. Arrancaram a sua alma.”

Arrancaram, é verdade. Mas Ana Carolina a tem encontrado por aí.

1 | Em Igatu, na Chapada Diamantina, na Bahia _ 2017
“Os moradores chamam esse campinho de ‘campo de pouso para extraterrestres’”

2 | Na estrada para Ibicoara, na Bahia _ 2017

3 | Em Santiago, Cuba _ 2015
“Essa foi um pouco depois da missa rezada pelo Papa Francisco no país, 22 de setembro de 2015. Ao fundo, a basílica da Virgem da Caridade do Cobre, a padroeira da ilha”

4 | Em Quixadá, no Ceará _ 2017
“Campinho perto da conhecida Pedra da Galinha Choca”

5 | Na praia do Morro Branco, no Ceará _ 2017

6 | Em Havana, Cuba _ 2015

7 | Em Quixadá, no Ceará _ 2017

8 | Em Cayo Largo, Cuba _ 2015
“Visão incomum do clássico destino de férias de cubanos e turistas gringos. Fora de temporada, a ilhota estava praticamente deserta”

9 | À beira do rio Amazonas, em Macapá, no Amapá _ 2013
“Na vazante, arrumando o campo antes do campeonato feminino de Futelama”

10 | No vale da Boa Esperança, em Itaipava, no Rio de Janeiro _ 2015
“Eu estava acompanhando uma prova de bike, na garupa de uma moto, quando pedi para o cara parar no alto do morro para fazer essa foto. Acho bonito a marcação branca na grama”

11 | Em Havana, Cuba _ 2015

Quem é _ Ana Carolina Fernandes
Fotojornalista com passagens pelos jornais O Globo, Jornal do Brasil e Folha de S.Paulo, entre outros veículos nacionais, e colaborações para a agência Reuters e The New York Times, Ana Carolina, a Cula, hoje se dedica a ensaios autorais. Mem de Sá, 100, nascido das mais de 50 sessões que fez em uma comunidade de transexuais na Lapa carioca, ganhou mostras no Rio de Janeiro e em São Paulo e um ensaio de nove páginas na revista Piauí, em 2013. Carioca, é filha de Hélio Fernandes e sobrinha de Millôr Fernandes.

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Tato Coutinho
Revista Grama

Editor na Livros de Família, é jornalista com passagens pela Editora Abril, TV Cultura e Trip Editora