3 poemas de Lioba Happel

Grifo - editorial
revistagrifo
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3 min readNov 8, 2022

(tradução de Valeska Brinkmann)

Sem título (colagem manual, de Miguel Rodrigues)

Sobre a colagem: trabalho desenvolvido em papel pólen A4, horizontal, uma colagem manual a partir de recortes de revistas antigas, produzida no início de 2022. O processo criativo envolvido foi uma busca livre através das páginas de revistas e que resultaram em um gesto que também busca, com olhar atento e dentes à mostra.

I.

E agora a morte vira as costas

e vai dar um passeio

Não tem como não pois é maio

Maio / ele ri

Queremos perdoá-lo pela demonidade da cerejeira

e elogiá-lo

até que sua cor de rosas

despenque / caia

.

Und jetzt wendet sich der Tod ab

und geht eine Weile spazieren

Wie auch nicht es ist Mai

Der Mai / lacht

Wir wollen ihm die Dämonie des Kirschbaums verzeihen

und ihn loben

bis seine Rosenfarbe

herab / fällt

II.

Se não acordarmos de manhã

Não levantarmos não partirmos

Mas ficarmos deitados em nossos corpos despedaçados

Nos quais à noite as bombas caíram

Conduzidas com tanta precisão

Nem caiu nada no lençol -

Mas então tivemos sorte

Brigamos feio ontem à noite

Por pouco não nos amamos

Uma dor desordenada

Paira ainda no ar

Com os primeiros raios de sol

Eles estarão aqui

Torcerão um pouco o nariz

E ajuntarão nossos corpos

.

Wenn wir am Morgen nicht aufwachen

Nicht aufstehen nicht fortgehen

Sondern in unseren zersplitterten Leib liegen

Auf den nachts die Bomben fielen

So präzise gesteuert das nicht einmal

Das Laken etwas abbekommen hat-

Dann haben wir aber Glück gehabt

Wir haben uns gestern Abend heftig gestritten

Hätten uns beinahe geliebt

Ein unaufgeräumter Schmerz

Hängt noch in der Luft

Mit den ersten Sonnenstrahlen

Werden sie da sein

Die Nase ein wenig rümpfen

Und unsere Leiber einsammeln

III.

E vi pardais lunares e burros

e a chuva caiu como uma cortina

Cabelos que uma vez foram meus

e pessoas de quatro

Mulher e mulher empurradas uma à outra

estiradas à beira do caminho.

E milhões de anos milhões de anos se passaram.

.

Und Mondspatzen und Esel sah ich

und der Regen fiel wie ein Vorhang

Haare die einmal mir gehört hatten

und Menschen auf alle vieren

Frau und Frau ineinander gedrängt

lagen am Wegrand.

Und Jahrmillionen Jahrmillionen vergingen.

Lioba Happel (1957) nasceu em Aschaffenburg, na Francônia. Estudou Serviço Social em Bamberg, depois Estudos Alemães e Hispânicos; com mestrado na Universidade Livre de Berlim.

É autora de poemas e textos em prosa. Trabalha de forma autônoma como tradutora de inglês e francês, revisora e profesora de alemão, em Berlim e Lausanne (Suíça). Paralelamente também trabalha com pacientes de demência.

Happel teve longas estadias na Inglaterra, Irlanda, Itália e Espanha. Ganhou vários prêmios e bolsas, entre os quais o Friedrich-Hölderlin-Förderpreis, em 1989, a residência artística da Villa Maximo (Roma), em 1994 e, recentemente em 2020, o prêmio de Poesia da Faculdade Alice Salomon, em Berlim.

Sua poesia contém certa proximidade e ao mesmo tempo distância. Ambiguidade é um ponto forte também, enquanto trabalha com uma liguagem pura e translúcida — o que pode ser uma influência de sua experiência real com seus pacientes.

Os três poemas aqui traduzidos pertencem ao livro Puls 100 Gedichte (Edition Pudelundpinscher, 2017, Suiça. www.pudelundpinscher.ch).

P.S. da tradutora: Acabo sempre voltando nesse livro de Happel para minhas traduções. Gosto muito. Em 2021, traduzi poemas desse mesmo livro para a coluna “Arcas de Babel”, da Revista Cult.

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