3 poemas de Lioba Happel
(tradução de Valeska Brinkmann)
Sobre a colagem: trabalho desenvolvido em papel pólen A4, horizontal, uma colagem manual a partir de recortes de revistas antigas, produzida no início de 2022. O processo criativo envolvido foi uma busca livre através das páginas de revistas e que resultaram em um gesto que também busca, com olhar atento e dentes à mostra.
I.
E agora a morte vira as costas
e vai dar um passeio
Não tem como não pois é maio
Maio / ele ri
Queremos perdoá-lo pela demonidade da cerejeira
e elogiá-lo
até que sua cor de rosas
despenque / caia
.
Und jetzt wendet sich der Tod ab
und geht eine Weile spazieren
Wie auch nicht es ist Mai
Der Mai / lacht
Wir wollen ihm die Dämonie des Kirschbaums verzeihen
und ihn loben
bis seine Rosenfarbe
herab / fällt
II.
Se não acordarmos de manhã
Não levantarmos não partirmos
Mas ficarmos deitados em nossos corpos despedaçados
Nos quais à noite as bombas caíram
Conduzidas com tanta precisão
Nem caiu nada no lençol -
Mas então tivemos sorte
Brigamos feio ontem à noite
Por pouco não nos amamos
Uma dor desordenada
Paira ainda no ar
Com os primeiros raios de sol
Eles estarão aqui
Torcerão um pouco o nariz
E ajuntarão nossos corpos
.
Wenn wir am Morgen nicht aufwachen
Nicht aufstehen nicht fortgehen
Sondern in unseren zersplitterten Leib liegen
Auf den nachts die Bomben fielen
So präzise gesteuert das nicht einmal
Das Laken etwas abbekommen hat-
Dann haben wir aber Glück gehabt
Wir haben uns gestern Abend heftig gestritten
Hätten uns beinahe geliebt
Ein unaufgeräumter Schmerz
Hängt noch in der Luft
Mit den ersten Sonnenstrahlen
Werden sie da sein
Die Nase ein wenig rümpfen
Und unsere Leiber einsammeln
III.
E vi pardais lunares e burros
e a chuva caiu como uma cortina
Cabelos que uma vez foram meus
e pessoas de quatro
Mulher e mulher empurradas uma à outra
estiradas à beira do caminho.
E milhões de anos milhões de anos se passaram.
.
Und Mondspatzen und Esel sah ich
und der Regen fiel wie ein Vorhang
Haare die einmal mir gehört hatten
und Menschen auf alle vieren
Frau und Frau ineinander gedrängt
lagen am Wegrand.
Und Jahrmillionen Jahrmillionen vergingen.
Lioba Happel (1957) nasceu em Aschaffenburg, na Francônia. Estudou Serviço Social em Bamberg, depois Estudos Alemães e Hispânicos; com mestrado na Universidade Livre de Berlim.
É autora de poemas e textos em prosa. Trabalha de forma autônoma como tradutora de inglês e francês, revisora e profesora de alemão, em Berlim e Lausanne (Suíça). Paralelamente também trabalha com pacientes de demência.
Happel teve longas estadias na Inglaterra, Irlanda, Itália e Espanha. Ganhou vários prêmios e bolsas, entre os quais o Friedrich-Hölderlin-Förderpreis, em 1989, a residência artística da Villa Maximo (Roma), em 1994 e, recentemente em 2020, o prêmio de Poesia da Faculdade Alice Salomon, em Berlim.
Sua poesia contém certa proximidade e ao mesmo tempo distância. Ambiguidade é um ponto forte também, enquanto trabalha com uma liguagem pura e translúcida — o que pode ser uma influência de sua experiência real com seus pacientes.
Os três poemas aqui traduzidos pertencem ao livro Puls 100 Gedichte (Edition Pudelundpinscher, 2017, Suiça. www.pudelundpinscher.ch).
P.S. da tradutora: Acabo sempre voltando nesse livro de Happel para minhas traduções. Gosto muito. Em 2021, traduzi poemas desse mesmo livro para a coluna “Arcas de Babel”, da Revista Cult.