4 traduções, 1 só haicai

Grifo - editorial
revistagrifo
Published in
3 min readDec 6, 2022

Gustavo Faquineti

“Os pássaros”, 2022, matheus azevedo

Sobre a arte: “Os pássaros” conversa com a caoticidade da paisagem, faz metáfora a gaiola como bloqueio mental, a janela como liberdade e ao avesso dos sentidos das cores, da alegria do amarelo e do verbo perder junto aos pássaros mortos. É a paisagem que tece o desejo da palavra, das palavras, escritas ou descritas, tão delicadas como os pássaros, do caótico e do belo.

Escrito por Bernadette Mayer (nascida em 1945), o haicai ‘’Spring Haiku’’ está presente em seu livro ‘’Red Book in Three Parts’’. Nele, candura e putaria se embolam de um jeito fantástico. Tão multifacetado e delicioso que uma só tradução não daria cabo da brincadeira. Abaixo, veja o poema reproduzido na íntegra, seguido de 4 traduções minhas (comentadas de forma breve).

Spring Haiku

I wear my skirts too short
My knees knock like two birds
Fucking in the open

Haicai Primaveril

Minhas saias tão curtas
Chocam ambos joelhos:
Passarinhos fodendo.

O poema original segue um padrão métrico não-convencional de 6 sílabas
poéticas, além de efeitos sonoros bem demarcados, como a aliteração forte em ‘’knees knock’’, sugerindo o atrito algo erótico existente entre os joelhos. Como primeira incursão, busquei manter a metrificação do 6, que é também pouco usual em português. Também quis manter a quebra de tom entre o cenário supostamente comum delineado nos primeiros dois versos e a imagem final do haicai, iniciada no ‘’fucking’’.

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Haicai de primavera

Joelhos acima
Visto assim as minhas saias:
Pássaros-orgasmos

Aqui, busquei retornar à metrificação clássica do haicai (5,7,5 sílabas poéticas respectivamente). O trabalho com a imagem se desviou da frontalidade presente no original em prol de uma construção mais simbólica, amparada em uma imagem-resumo no último verso.

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Haicai de primavera

Visto saias tão curtas
Os joelhos se bicando
Jogam penas pelos ares

Esse foi pensado e feito, digamos assim, à moda cotidiana, invocando um certo lirismo descompromissado com a vida. Como se fosse uma mera anotação de um momento doce, uma descoberta sexual. Pensei em algo do tipo ‘’como seria esse poema se ele fosse escrito por alguém como Adélia Prado?’’.

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Haicai das flores

Gosto assim, bem curta
Do joelho até a bunda
As pernas desabrocham da saia

Ainda mais desprendido que o anterior, aqui o jogo é caracterizar melhor quem fala. Busquei trazer mais à tona a sensação do prazer assumido, da pessoa que encara e se sensibiliza com a sensação vivida no corpo. A unidade do corpo, inclusive, é o que mais dá as caras nesse poema.

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