Gravura é corte

Grifo - editorial
revistagrifo
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3 min readMay 23, 2023

por Gil Maulin

xilogravura — gil maulin

Goiva. Madeira. Rabisco de mão. Tinta. Impressão. Este o caminho percorrido no exercício e ofício da gravura. No corte da linha à luz de desenho e sombra. Eixos orientadores da xilogravura. O tempo que ela exige de confecção não é o mesmo das máquinas. É tempo de dentro no fio do labor artístico. Ruído silencioso entre a força dos dedos e o atrito sobre a madeira. É labirinto de formas. Novos cortes e linhas a cada impressão.

Há uma conversa entre o espaço do corte, da linha e da força intencional que o artista imprime com o corpo. A gravura é um embate silencioso dos sentidos mais internalizados do artista. O erro de uma linha goivada no desenho-rascunho sobre a madeira pode ser o segredo final da gravura. Sim, existem artistas que não lidam bem com o erro, pois querem expressar a linha pela linha. O auto-controle. A perfeição. A linha limpa. O que não diminui a beleza e a força da gravura.

Mas voltando ao erro. Ele expõe um caminho assumidamente escolhido. É nisso que a gravura se torna: uma expressão incompleta de escolhas. Ela é preenchida pelos olhares quando exposta. Arte mexe com isso, com essa movimentação de interpretação e apropriação. A gravura, tal como os veios da madeira, está aberta. Não se faz propriedade de ninguém. Assim também é a arte.

xilogravura — gil maulin

Quando pronta em papel é outra batalha. O estranhamento. O espelhamento. Se enxergar não é verbo fácil. Gravura é negativo e positivo. Negativo e positivo. Negativo e positivo. Assim me ensinou repetidas vezes o professor e o artista. Contrastes. Fotografia. Preto e branco. Luz e sombra. As muitas dualidades que não brigam por espaços. É uma negociação tensionada pelo desenho e expressão. Gravura é cortada. É corte com e sem precisão. Vive no branco e no escuro. Se faz também no colorido.

Gravura é silêncio que desafia o barulho interno do gravador ou do xilogravurista. Ela se expande entre os ecos da madeira, da tinta e da impressão.

O desenho em gravura é a forma e o conteúdo em que versam a estória do artista misturada com outros sentidos que continuam vivos no olhar de quem lhe vê.

O barato dessa composição toda se instaura nos limites que a arte não pede. O seu exercício é criar outros sentidos. Outros tempos que estão inscritos na madeira, no papel e no borrão. Gravurar é essa condição mista e misteriosa dos segredos que não se encerram na impressão do desenho.

xilogravura — gil maulin

Ela alimenta e é alimentada pela sua exposição. Ela toma vida. Toma rumo. Donde o ofício do gravurista é expor seus barulhos, suas sendas, seus mergulhos pra se tornar outra coisa, outra impressão, outra gravura entre o limite daquilo que expressa e a tradução de quem o lê.

A leitura impressa ganha nova gravura, mas sem madeira ou goiva ou tinta ou mesmo o artista.

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