Sobrescrever

Grifo - editorial
revistagrifo
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3 min readOct 20, 2021

Bia Chicca

colagem digital: arte conquista mundo, de Marcos Arão Rocha.

Escrever é escrever sobre mim. Não há saída. O que vivi está dentro das minhas palavras.

Se eu não escrever, estarei existindo à toa. O meu corpo pede que eu escreva.

Sinto uma energia que vem das pernas e sobe até a cabeça, que começa a latejar.

Só relaxo quando encontro o fluxo entre os pensamentos e o movimento de punho e mão. Quando vejo a caneta dançar, conduzida por mim.

Há dias em que sou assombrada pelas palavras.

Posso estar tomando banho, lavando a louça ou prestes a dormir. Elas me rondam e sopram ao ouvido. São palavras de sabedoria, de conhecimento que eu nem sabia que tinha.

Paro tudo que estou fazendo para escrevê-las. Essas palavras precisam de mim, e eu delas. Escrevo rápida e eficientemente. Nem parece que sou eu ali, me torno apenas um canal para elas possam viver.

Em outros dias, preciso ser caçadora de palavras. Sinto que quero escrever, mas não sei bem sobre o quê. Esses dias demandam esforço, como se eu estivesse cavando um buraco ou construindo um muro.

É trabalhoso e devagar. Angustiante. Pesado.

Por sorte sou teimosa e persistente. Não desisto até parir nem que seja uma frase, um verso. Algo que possa florescer no tempo certo.

Porque escrevo sobre o que penso e o que sou, e estou em constante mudança.

Deixo rastros daquela que fui.

Aquela que muitas vezes me causa estranhamento ou vergonha. Tenho vontade de gritar com ela. Quero picar as páginas que escreveu em mil pedacinhos para que ninguém nunca possa lê-las.

Essa mesma que às vezes me faz chorar. De emoção e orgulho. Eu a leio e mal posso acreditar nos tesouros que encontrei. Abraço o caderno com força e digo em voz alta: obrigada, eu te amo.

Nesse jogo de amor e ódio, tento encontrar o caminho do perdão e da aceitação.

Talvez seja por isso que meu corpo me chama para escrever. O corpo é sábio.

Através da escrita sou capaz de me registrar e desvendar. Entro em contato com o melhor e o pior de mim.

Já não importam tanto os acertos e os erros, o que importa é que graças a essas tantas Bias eu cheguei até aqui. Eu sobrevivi. E sobrevivi escrevendo, ou sobrevivi por escrever.

Haverá sempre algo velho para reler e ressignificar.

Haverá sempre algo novo para escrever.

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