A vida das mulheres traduzida em versos #h14

Entrevista com Angela Zanirato, vencedora do I Concurso Literário Arribaçã

Helenas
revistahelenas
7 min readJan 12, 2021

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Por Amanda Ribeiro Torres

Arte: Beatriz Vidal/Revista Helenas

As medidas de contenção da pandemia do novo coronavírus aumentaram a carga de trabalho das mulheres brasileiras, bem como sua exposição a situações de violência doméstica. Assim, com o isolamento junto ao próprio agressor, dificultou a comunicação entre a vítima e suas ferramentas de apoio, muitas destas mulheres foram silenciadas. Em meio a este cenário surge em Paraguaçu Paulista a poesia de Angela Maria Zanirato Salomão, vencedora do Concurso Literário — Categoria Poesia, da Editora Arribaçã, que ocorreu em outubro de 2020. A intenção da escritora com o livro Madalenas Desarrependidas foi justamente “dar voz a quem não tem voz”.

Foto: Angela Zanirato/arquivo pessoal

Segundo o escritor André Ricardo Aguiar, um dos avaliadores do concurso, esta “(…) é uma poesia ousada, investida de imaginação e questionamento, dentro de uma proposta em que põe o leitor em alerta”. O concurso, viabilizado pela Editora Arribaçã, originária do sertão da Paraíba, foi construído com o intuito de revelar novos talentos para a literatura nacional e encontrou nas palavras de Angela Zanirato irreverência e conteúdo ao lidar com temas muito notórios para a vida das mulheres.

A importância da literatura na construção crítica da sociedade deixa ainda mais evidente a necessidade de mais espaços para escritoras mulheres. Constantemente nos prendemos a nomes internacionais ou distantes de nossa realidade, por isso é tão relevante que nossas autoras locais sejam divulgadas. São elas que trabalham nas artes para que as realidades das mulheres sejam notadas. Nesta entrevista exclusiva, a autora aprofunda seus pensamentos nos processos que a levaram a escrever, enquanto nos conta um pouco mais sobre seu livro e projetos futuros.

RH: Conte mais sobre seu livro. Quais os assuntos abordados e de onde surgiu a ideia para participar do concurso?

Vi o edital no Facebook, sempre quis ter um livro, e como já tinha alguns poemas mais ou menos organizados resolvi me inscrever. Fiz isso no último dia. Eu não estava nem esperando a resposta quando vi o anúncio na página da editora.

Os poemas contidos neste livro são todos de caráter feminino e feminista, nos quais retrato mulheres à partir da leitura do evangelho apócrifos, livros que explicam a vida de Jesus, mas não são considerados legítimos pela maioria das igrejas cristãs. São poemas que falam sobre Maria Madalena, por exemplo, poemas feministas, alguns contêm palavrões. Foi um livro feito para chocar mesmo. E eu participei de todo o processo de criação da edição física. Por exemplo, as mulheres da capa existiram e são da minha cidade. São mulheres que considero empoderadas, que viviam mais na rua que dentro de casa. Abro o livro com o poema sobre elas e associo com as Marias de Magdalas, onde nasceu Maria Madalena. Penso até que isso pode gerar algumas polêmicas na cidade onde eu moro, que é um lugar com 40 mil habitantes, muito moralista e conservadora.

As mulheres vão se reconhecer em alguns poemas. A essência do livro é dar voz a quem não tem voz, mulheres.

RH: Como começou sua jornada com a escrita?

Comecei a escrever após o falecimento da minha mãe, em 2002. Acompanhou toda a sua doença e quando ela se foi senti um vazio. Vim de uma família grande, com oito mulheres e três homens. Minhas irmãs já escreviam e meu pai sempre incentivou as mais diversas experiências artísticas dentro de casa. Minha primeira crônica foi escrita após o trabalho, senti a necessidade de escrever, psicografei e chorei após ler. Foi um momento muito pessoal. Fui pro campo da poesia, mas já fui classificada para outro prêmio em crônica.

Acredito que minha escrita é fruto de muita leitura, eu lia de tudo, também, da minha formação acadêmica e do meu dia a dia. A primeira fase das minhas poesias era muito sobre a casa materna, saudades, universo da família. Sobre mim mesma. Fazia terapia escrevendo. Na fase atual acho que estou em um período mais de contestação, de escrita voltada para o feminismo e questões sociais do Brasil. Da realidade atual, sobre essa clausura da pandemia. Para mim a escrita não é mecânica, ela flui com o que está dentro de você.

RH: Você disse em uma entrevista que trabalha com menores em situação de vulnerabilidade e que escuta muitas das suas histórias. Qual a influência desse contato nos seus poemas?

Atualmente estou aposentada da escola pública, mas por um período fui professora mediadora, como se fosse uma psicóloga, trabalhando em uma escola grande. Eu andava no pátio e conversava com os alunos. Muitas meninas começaram a procurar por mim e contar seus problemas. Meninas adolescentes, vítimas de pedofilia, estupro, se cortavam. Eram histórias muito doloridas, e eu me envolvia muito com elas. Fiz vários poemas sobre elas, poemas denúncia, sem qualidade poética. Eram mais como um desabafo dessa dor do outro doendo em mim. Dar voz ao outro é o que acho mais importante na minha poesia.

RH: Como as lutas das minorias no Brasil atual influenciam ou refletem na sua poesia?

Não fala sobre esses temas de forma muito escancarada, mesmo porque minha cidade é muito conservadora e ainda sinto que tenho que tomar muito cuidado, porque sou muito espontânea naquilo que penso. A minha vivência na rede pública de ensino influenciou muito minha poesia e a vida das mulheres também, mas ainda não me sinto segura para falar tudo o que eu queria. Não é tudo que eu gostaria de escrever que eu escrevo. Mesmo escrevendo o que eu sinto sem ter a intenção de agradar ninguém, ainda é difícil colocar tudo para fora, por conta do pensamento deste mundo onde vivemos.

RH: Você se considera feminista? Qual sua história com o movimento?

Me considero feminista. Meu primeiro trabalho na faculdade foi sobre mulheres prisioneiras e nessa época aprendi muita coisa, foi a partir daí que nasceu esse olhar aguçado. Tanto que há muita visão feminista na minha poesia, principalmente este livro que contempla esse olhar feminista.

RH: Você acredita que há diferença entre a escrita feita por mulheres e a feita por homens?

Faz três ou quatro anos que só leio mulheres e meu olhar ficou muito aguçado depois dessas leituras, porque são diferentes. A mulher se joga muito mais na poesia, coloca suas vísceras.

RH: Quais autoras você gosta muito e poderia nos indicar?

Gosto muito da Ivy Menon, poeta paranaense que sofreu muito já e fala muito disso nas suas poesias; da Cinthia Kriemler, que é uma literatura muito feminista, e da Amanda Helena, daqui de Bauru mesmo, e foi quem me apresentou para a Revista Helenas.

RH: Quem te inspira a escrever?

Não têm pessoas específicas que me inspiram, não tenho poemas de amor. Às vezes uma palavra me inspira, cenas do cotidiano, objetos me inspiram, situações.

RH: O que é poesia para você?

Escrever é meu ópio, é minha necessidade, é minha forma de respirar. Não escrevo por obrigação. Minha poesia se aprimorou porque eu fazia desafios, poesias a partir de imagens, gostava dessa reflexão. Faço mais poemas para mim, queria que minha poesia fosse conhecida e ela será conhecida agora, porque ela vai circular por alguns estados distantes de onde eu vivo.

A jornada de Angela com a escrita reforça nossa necessidade de luta, pois mesmo diante da possível não aprovação de uma cidade pequena e conservadora, a autora não se cala sobre pensamentos feministas e violência doméstica, assuntos que deveriam ter suas discussões expandidas. Assim, de conquista em conquista atingimos as mudanças necessárias para uma sociedade mais justa. Como disse Angela, escrever é um ato político.

“Me considero feminista. Meu primeiro trabalho na faculdade foi sobre mulheres prisioneiras e nessa época aprendi muita coisa, foi a partir daí que nasceu esse olhar aguçado” conta Angela. Foto: Angela Zanirato/arquivo pessoal

Para continuarmos juntas nesta resistência, em 2021 a autora estará na coletânea As mulheres poetas na literatura brasileira, organizada pelo poeta Rubens Jardim e publicada pela Editora Arribaçã e, além disso, está no meio do processo da criação de um livro em formato de cartas voltado especificamente ao público feminino.

O livro Madalenas Desarrependidas foi publicado no dia 12 de Janeiro, em lançamento on-line organizado pela editora Arribaçã. A sua aquisição já pode ser feita através do mesmo endereço digital, com envio para todo o país.

Referências

PASSOS, Úrsula. Mundo pós-pandemia terá valores feministas no vocabulário comum, diz antropóloga Debora Diniz. Folha de São Paulo, 6 abr. 2020. Disponível em: <https://www1.folha.uol.com.br/equilibrioesaude/2020/04/mundo-pos-pandemia-tera-valores-feministas-no-vocabulario-comum-diz-antropologa-debora-diniz.shtml?fbclid=IwAR3xgGAHpVniQTA8wmDnszhK-jcDDmIkgx9e_OKFizGeW_DIbyJZ4Y82POE>.

MARTINS, José Pedro S. “Madalenas Desarrependidas”, de Ângela Zanirato, vence o Concurso Arribaçã. Pé de Moleque Livros. 7 set. 2020. Disponível em: <https://pedemolequelivros.wordpress.com/2020/09/07/madalenas-desarrependidas-de-angela-zanirato-vence-o-concurso-arribaca/>.

Revisão linguística e técnica por Beatriz Vidal.

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