Análise do Comportamento e Feminismos #h19

O que uma ciência do comportamento tem a contribuir à luta das mulheres?

Helenas
revistahelenas
7 min readJun 3, 2021

--

Por Ana Laura Taboga

Arte: Francimeire Leme/Revista Helenas

Falar de Psicologia é, na verdade, falar de Psicologias, no plural. Diferem os objetos de estudo, as metodologias, referenciais teóricos, arsenal técnico…Enfim, as divergências são muitas até ao ponto de nos perguntarmos se todas cabem dentro de uma mesma caixa — a da “Psicologia”, enquanto ciência ou área unificada.

Culturalmente, pensar em psicologia é olhar para dentro, teorizar e debater questões internas, dores psíquicas, energias vitais que nos movem de dentro para fora. Essa foi, e em certo ponto ainda é, a Psicologia a qual nos referimos quando surge o assunto na roda de conversa, em uma mesa de bar e até mesmo na percepção de “vou procurar uma psicóloga”.

A Psicologia ao longo dos anos, desde seu comecinho com a Psicanálise de Freud, de fato, se debruçou profundamente sobre as questões humanas que nos escapavam. Buscou compreender as dores e prazeres que, mesmo se olhássemos atentamente, não conseguiríamos perceber com os olhos e, a partir disso, desenvolveu teorias e formas de acesso a esse objeto de estudo escondido em alguma parte dentro do cérebro ou da cabeça.

Essas psicologias além de existirem por si mesmas, coexistem com uma outra, menos conhecida e menos adorada nas mesas de bar e discussões de filmes e livros. A essa outra a qual me refiro por último se dá o nome de Análise do Comportamento e não é somente, ou de fato, uma via teórica, é mais ampla, trata de muitos temas de interesse gerais e que se entrelaçam entre si e, por esse motivo, a colocamos nesse hall de abordagens da área.

O diferencial da Análise do Comportamento que mais chama a atenção é seu olhar para fora, ou seja, seu menor interesse nos supostos entrelaçamentos psíquicos e seu maior interesse nos entrelaçamentos indivíduo-ambiente.

Tá, mas peraí, psicologia não é o estudo da mente humana? Que sentido tem olhar pra fora?

Chegamos aos pontos de divergência: a proposição da Análise do Comportamento não é ser um estudo da mente, da psiqué, mas sim uma forma científica de se estudar comportamento humano. Uma ciência, tal como as outras, que tem método sólido e rigoroso e busca um objeto material e físico para seu estudo. Ainda que outras áreas científicas se proponham a estudar os assuntos humanos, o objeto de interesse é distinto e, portanto, o olhar, as metodologias e resultados também.

Embasada pelo behaviorismo radical como filosofia, a Análise do Comportamento surge entre a década de 30 e 40 do século XX como alternativa à psicologia introspectiva vigente. Buscava alinhar os estudos humanos com as ciências naturais e tomar o estudo do comportamento dos indivíduos, especialmente humanos, como parte dessa mesma natureza que outras áreas já vinham estudando há séculos.

Nesse contexto, os seres humanos estariam em constante interação com o ambiente, e caberia aos cientistas e/ou psicólogos analisar esses comportamentos com base nos aspectos presentes em determinada interação. Não há, aqui, a necessidade de análises interiores e imateriais: o que é relevante são as interações com o ambiente e quais são os elementos importantes para que aquele comportamento seja daquela forma e não de outra.

A mente, querida entre os psicólogos e entusiastas da psicologia, não pode ser cientificamente analisada porque não pode ser medida, diferentemente do que pode ser visto: os comportamentos humanos subjacentes. Assim, sentimentos, pensamentos e tudo mais que um organismo faz é lido e compreendido enquanto comportamento.

Os comportamentos seguem as leis do mundo físico e são afetados pelo modo como o ambiente ao seu redor se organiza. São afetados pelas condições anteriores a eles e pelas consequências que sua emissão produz, podendo assim, ter sua frequência aumentada ou diminuída. A análise de algum “ser interior” ou “agente mental” não é necessária para compreender o porquê as pessoas fazem o que fazem e para alterar suas ações, basta um olhar cauteloso para o contexto, para as relações.

A ideia, ainda que pareça simples, é complexa e cria muitas possibilidades para análises e debates acerca de como modificar condutas e outros porquês que são de muito interesse prático ou não das comunidades acadêmicas e populares.

Tá bom, mas e o feminismo?

Bom, assim como a psicologia, o feminismo também é mais bem compreendido no plural e tem diversas vertentes e olhares distintos. Enquanto ideia ou objetivo final o movimento exista, talvez, em um paralelo temporal à dominação masculina e ao patriarcado. Afinal, onde houveram homens dominando, muito provavelmente houveram mulheres resistindo, se opondo. Contudo, enquanto movimento organizado, a luta política a que se dá o nome de feminismo é um pouco mais recente em nossa história.

Apenas em meados da década de 60 ou 70 é que os ideais e organizações de um movimento feminista começam a se infiltrar — e afetar — em contextos acadêmicos e científico. Essas tentativas de diálogos repercutiram em diversas áreas científicas, dentre elas, a Psicologia. (Uma leitura mais aprofundada pode ser feita no prefácio do livro Debates sobre feminismo e análise do comportamento, organizado por Renata Pinheiro e Táhcita Mizael) A partir dessa repercussão, alguns diálogos puderam surgir e ganhar força.

Sem me alongar na discussão das importâncias da crítica feminista aos métodos e caminhos da ciência, eu pergunto: como a análise do comportamento pode ajudar? Existem diversas formas de compreender e analisar o problema da dominação masculina, o objetivo final — emancipação feminina — pode ser o mesmo nas diversas vertentes, mas os caminhos a serem traçados e a forma de ler a realidade divergem. Para não criar confusões vou tomar o feminismo interseccional como principal base nos paralelos que farei a seguir.

A Análise do Comportamento tem uma visão contextualista de mundo, ou seja, busca compreender os comportamentos a partir da observação do contexto em que ocorrem; rejeita explicações individualizantes e que façam as causas dos fenômenos ocorridos atribuíveis a algo no interior de uma pessoa. As causas são compreendidas histórica e politicamente a partir da observação de acontecimentos no passado e presente, da análise de elementos culturais vigentes etc.

Além disso, essa visão permite uma análise na qual os contextos passados e presentes vivenciados pelo indivíduo se entrelaçam e tenham influência sobre aquilo que ele faz no agora. Modificando o contexto atual, as consequências que as ações têm social e individualmente é possível transformar esses comportamentos cotidianos do presente — machismo, opressão, violência.

Também pode ser de grande ajuda ao feminismo a prática existente na abordagem behaviorista radical de identificação de variáveis de controle. Variáveis de controle são elementos do ambiente ou ações de outras pessoas que alteram a probabilidade de algum comportamento acontecer. Tomando como base a cultura ocidental, em específico a cultura brasileira, os meninos são ensinados a terem posturas específicas que categorizam o “ser homem” e esses ensinamentos tornam alta a probabilidade de reprodução de ações machistas e patriarcais. Essas regras socialmente estabelecidas do que é ser homem e o que é ser mulher são importantes variáveis de controle da conduta de indivíduos criados nessa cultura.

A fim de identificar e compreender essas variáveis, a análise do comportamento se preocupa com o mapeamento das relações. Busca compreender qual o papel que cada coisa tem em uma interação organismo, ambiente e como o controle de uma parte é exercido em outras, ou no todo. Nesse contexto, a preocupação dos movimentos feministas em compreender as práticas machistas e alterá-las pode ser enriquecida com o conhecimento de uma ciência que identifique essas variáveis e aponte para um caminho de mudança.

É claro que, ainda que simples, essa lógica requer um esforço coletivo e um planejamento efetivo com sólido embasamento teórico, não é fácil e não ocorre de maneira individual ou “espontânea”. É preciso que se criem espaços de debate e planejamento de ações eficazes no que se diz respeito à alteração da condição atual. Porém, a compreensão acurada do funcionamento das relações pode ser de grande ajuda.

Em primeiro lugar, é preciso conhecer, compreender e prever para mudar. Afinal, o que é o machismo se não um conjunto de posturas socialmente alinhados com função de dominação e controle feminino e manutenção dos privilégios? E o que é o feminismo se não uma maneira de “contracontrolar” essas práticas culturais visando mudança e emancipação?

O feminismo dentro da nossa realidade repleta de machismos e correntes patriarcais é esse contracontrole: uma forma de agir contrariamente à regra vigente, que busca modificar a realidade das pessoas que compartilham um espaço-tempo conosco e que enfrentam os mais diversos problemas advindos dessa regra. Visualizar com mais clareza e precisão as variáveis de controle é um caminho que traz bons frutos. Entender o comportamento humano é preciso.

Referências:

Livro “Debates sobre feminismo e Análise do Comportamento”, Organizadoras: Renata Pinheiro e Táhcita Mizael, Ed. Imagine Publicações.

Livro “Ciência e Comportamento Humano”, B.F. Skinner (1953/1981), Ed. Martins Fontes

Revisão linguística e técnica por Letícia Ramalho

Gostou desse texto? Aplauda! Clique em quantos aplausos (de 1 a 50) você acha que ele merece e deixe seu comentário!

Quer mais? Segue a gente: Medium | Facebook | Instagram

--

--