As mulheres continuam em campo!

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11 min readJul 23, 2024

Um ano após a publicação de seu livro, a autora bauruense Érika Araújo continua com seus esforços de pintar a história do esporte feminino

Por: Larissa Mateus

Erika Araújo com seu livro aniversariante, “Mulheres em Campo” | Foto: Larissa Mateus

Nascido da pesquisa de mestrado de Érika Alfaro de Araújo, o lançamento do livro “Mulheres em Campo” completa um ano em 28 de julho deste ano. Unindo história, sociologia, economia, cultura e mídia, a obra explora como a prática esportiva por mulheres está presente no jornalismo e no imaginário popular, e de que forma as desigualdades de gênero impactam sua representação. O livro é escrito com uma linguagem mais acessível, transformando o trabalho acadêmico em reflexões descomplicadas para além das portas da universidade.

Apaixonada por esportes desde pequena, a autora Érika Araújo é um verdadeiro canivete suíço do jornalismo. Graduada na área pela UNESP-Bauru, a escritora já foi redatora, editora, repórter, fotojornalista, e continua seu trabalho como pesquisadora no doutorado, mantendo os esportes e o gênero como pilares de sua carreira. Captando o método científico com a linguagem de divulgação jornalística, as produções de Araújo são deliciosas de ler de novo e de novo.

Para comemorar um ano após a obra emblemática de seus estudos acadêmicos, a jornalista conversou com a revista Helenas sobre todo o processo de publicação, a evolução da representatividade feminina nos esportes, e muitas reflexões sobre a necessidade de discutir o lugar da mulher no campo — seja o de futebol, ou o da universidade.

Para começar, me conte como foi o processo de escrita do livro.

O livro nasceu com a minha pesquisa de Mestrado em Comunicação aqui na UNESP de Bauru, e ele traz os pilares da minha pesquisa que eu já venho conduzindo há alguns anos: os estudos de gênero, o jornalismo esportivo e o esporte. Então ele vem com esse objetivo de relacionar como a prática esportiva por mulheres está presente na mídia e de que forma as desigualdades de gênero impactam na representação jornalística dela. Uma vez a pesquisa finalizada, a dissertação defendida, publicada no repositório da UNESP — todo esse processo que faz parte da nossa missão enquanto pesquisador de universidade pública — foi uma decisão minha e do meu orientador, o professor Mauro de Souza Ventura, transformar ela nesse formato que é o livro. Esse modelo é muito importante e cumpre um outro papel, se a gente for pensar na divulgação científica. Então, a gente formatou ele de uma forma que fosse mais abrangente, para que mais pessoas, não só pesquisadores ou jornalistas estudantes, pudessem entender. Queríamos que fosse mais interessante, criasse uma leitura mais dinâmica, em um formato diferente, para que as pessoas pudessem adquirir aquele conhecimento através de uma linguagem mais cotidiana.

E como foi o processo da publicação dele?

No estágio Inicial, eu e o Professor Mauro olhamos para esse texto e vimos o que era interessante para os procedimentos acadêmicos de uma dissertação — porque a linguagem científica exige algumas formalidades — e então a gente deu uma transformada nessa linguagem, adaptamos dados… Foi aí o momento para a gente procurar a editora certa, e de entender como seria esse processo de publicação. Esse é o meu primeiro livro, então foi tudo muito novo para mim! Foi muito legal, posso adiantar. Mas, enfim, a gente encontrou a Editora Appris, que é de Curitiba, e eles me mostraram todo o passo a passo para um texto que já estava mais ou menos avançado… A gente pode pensar que seria rápido, mas não foi — foram cerca de seis meses do primeiro contato. Depois de tudo, a gente assinou o contrato, o texto passou por uma comissão científica da própria editora, para então eles aprovarem o texto e começarem as atualizações. Aí a gente passou por muitas revisões do texto: tanto da linguagem quanto de ver algum erro gramatical ou alguma adaptação necessária, aprimorar citações e etcetera. Aí a gente tinha que pensar no projeto gráfico, também, que foi uma parte muito interessante para mim, como jornalista, também participar. Buscar referências para capas, cores, pensar na divisão em capítulos, os nomes dos capítulos, o prefácio, que foi escrito pelo professor Mauro. Todo o processo editorial foi muito legal, muito interessante e levou um tempo até realmente ser impresso e chegar até as livrarias e os sites que estão vendendo o livro.

Quando começou o seu interesse pelo Esporte?

Olha, eu costumo dizer que o meu interesse de pesquisa começou desde a infância, né? Eu realmente acredito que é uma curiosidade que desperta o pesquisador, que desperta o cientista. A gente olha para o mundo, olha para as realidades que cercam a gente e identifica essas problemáticas que valem reflexões, que valem teorizações, análises. A minha relação com o esporte começou desde a infância com a escola, com o meu time do coração, com a minha relação familiar com o futebol — todas as pessoas da minha família amam futebol. Então, a partir do momento que eu comecei a perceber as barreiras que eu, como uma menina, enfrentava para praticar esporte, para gostar de esporte, eu vi uma problemática pautada no gênero. E aí, desde então, quando eu entrei na faculdade de Jornalismo, sempre me interessei por jornalista esportivo, e é aí dessas vivências que a gente vai tirando essa necessidade de se aprofundar. Desde a infância, adolescência, depois da graduação e até o doutorado, esses temas continuam norteando o meu trabalho.

Quais foram as suas inspirações na pesquisa e na escrita?

Uma pessoa que eu nunca deixo de falar, que é um grande incentivador de toda a minha carreira, desde a graduação até o doutorado é o professor Mauro, que está no prefácio do livro e que é o meu orientador desde do trabalho de conclusão de curso. Ele fez questão de me incentivar muito e de me ajudar bastante nesse processo de publicação, e a gente tem uma parceria muito bacana, em que ele sempre me coloca para frente, sempre me ajuda a alcançar essas metas. Também todo o suporte familiar, do meu marido, dos meus pais, do meu irmão, todo mundo que está presente na nossa vida contribui de alguma forma com essas coisas, né? Então, como eu falei, eu fui uma criança que amava futebol e isso não seria possível, por exemplo, sem o meu irmão que jogava bola comigo, sem o meu pai que compartilhava esse amor pelo futebol. Eu também acho que a gente vai buscando referências em tudo aquilo que a gente consome. Então, como eu falei, os livros foram muito importantes– quando eu comecei a ler a produção da autora Silvana Goellner, que é do Sul, da educação física, e que tem uma uma produção muito robusta sobre o futebol de mulheres; a pesquisadora Aira Bonfim, que agora em 2023 lançou um livro, mas a dissertação de Mestrado dela também é uma grande referência; com a leitura, também, de autoras como Angela Davis e a Bell Hooks, que me deram esse despertar para o tema da interseccionalidade; tantas jornalistas mulheres que mostram para gente que estar no campo do esporte é possível, como a Renata Fan, a Rafaele Serafim, a Ana Thais Matos… são mulheres e referências que vão desbravando esses campos que são historicamente, predominantemente ainda masculino. A gente vai colhendo referências de diversos lugares,

Olhando para trás, um ano após a publicação do seu livro, existe alguma atualização ou mudança que você gostaria de fazer?

Olha, eu acho que a publicação do livro logo depois da defesa do Mestrado foi importante do ponto de vista da minha trajetória acadêmica. Então, as discussões que estão no livro, eu acredito que ainda sejam muito valiosas até para marcar uma evolução nesse campo. Muitas coisas acontecem rapidamente — por exemplo, o livro trata da Copa do Mundo de 2019, que foi pioneira em muitos sentidos e que marcou muitos avanços, mas já aconteceu um outro Mundial, que também trouxe mais reflexões, mais questões. A área da comunicação, é sempre muito dinâmica e muda o tempo todo, sempre tem novos elementos para a gente analisar. Então, olhando para a produção do livro, eu acho que foi importante ele ter saído quando saiu para marcar a passagem da minha trajetória do Mestrado para o Doutorado. Mas, é claro que agora, num nível académico superior, seguindo essa pesquisa, eu consigo identificar várias questões que ainda precisam de amadurecimento, que precisavam de mais aprofundamento. Por exemplo, os estudos de gênero estão muito presentes nesse livro, mas para o doutorado, agora, uma abordagem interseccional se mostrou muito importante. Eu comecei essa reflexão no “Mulheres em Campo” no Mestrado, mas eu acredito que apenas falar em gênero, olhando para esse objeto que é o futebol de mulheres, não é mais suficiente. Ainda é muito importante, é preponderante, mas sozinho não dá conta. Então, novos fenômenos, novos elementos vão surgindo e o aprofundamento é algo natural para essa evolução.

Para além desse marco na sua carreira, o que esse livro significa para você?

Bom, eu acho que esse livro representa muitas coisas para mim enquanto pessoa, enquanto uma mulher que acredita no poder da educação, no poder da ciência. Uma mulher que acredita que refletindo, analisando, problematizando: é assim que vamos olhar para as questões sociais de uma forma mais justa e avançar sobre as desigualdades e os problemas que a gente identifica. Foi também a realização de um sonho, né? Eu acho que toda jornalista, toda pessoa que gosta de estudar, todo pesquisador valoriza esse formato que é o livro. O livro impresso, você ter algo escrito na sua mão, você ter aquelas páginas cheias de informação, que você pode pegar um lápis e riscar, anotar, grifar… Enfim, para mim os livros foram muito importantes. Para eu crescer, para amadurecer, para eu ter contato com discussões que na minha vida prática, eu não teria. Então, pensar que talvez isso que eu escrevi, todo esse conhecimento, todas essas reflexões que eu fiz, podem chegar em alguém e de alguma forma expandir os horizontes, trazer novas perspectivas, isso é muito recompensador. Muitas vezes o trabalho acadêmico é muito solitário. A gente senta, lê, escreve, pensa muito, reflete demais. E aí pensar que todo esse trabalho está chegando em alguém, em outras pessoas pelo Brasil, pelo mundo — sendo muito otimista — é muito bacana!

E como o livro vem impactando o público, então? Você recebeu algum retorno dos leitores?

Eu conversei com colegas, conversei com amigos, recebi mensagens até através das redes sociais. Eu fiz um perfil nas redes sociais para o livro, para conseguir divulgar algumas coisas, e aí receber nele fotos de pessoas lendo, mensagens dizendo “nossa, não sabia desse dado, nunca soube que o futebol de mulheres tinha sido proibido no Brasil por lei” — muita gente não conhece essa trajetória, e pensar que o meu trabalho pode estar ajudando as pessoas a conhecerem essa história e dar visibilidade para essas mulheres e para essas questões que são tão importantes até hoje, tudo isso é muito legal.

A história do futebol feminino é realmente muito invisibilizada. Como foi o processo de trazer esse tópico à luz? Foi difícil?

Pois é, o processo de pesquisa… Apesar de ser uma pesquisa em comunicação, eu senti a necessidade de resgatar a história e de trazer alguns dados. E aí vieram muitos artigos acadêmicos, principalmente escritos por mulheres, trazendo referências importantes. A gente tem, no Brasil, uma área crescente estudando a relação da comunicação e do esporte com estudos de gênero, mas ainda assim a gente percebe que a produção consolidada é pouca, e que as existem, que são grandes referências, são mais recentes. Então muitos dos dados, muitas das histórias que estão ali no livro, tem como fonte o próprio jornalismo. As reportagens que tratavam dos jogos, as coberturas das competições, as entrevistas que as jogadoras deram para os veículos jornalísticos… muito dessas histórias também são guardadas pela imprensa, no sentido da memória. Então, eu acredito que trazer para luz, discutir, dar visibilidade e ajudar a legitimar essa pauta, tanto perante a sociedade quanto no campo da comunicação, foram aspectos bastante importantes assim no decorrer da escrita — e me fizeram refletir sobre a importância do jornal como documento histórico.

Qual a importância da representatividade feminina no esporte, na comunicação, e no jornalismo esportivo?

Bom, para começar, eu não acredito em neutralidade. Eu acredito que, quando a gente faz ciência ou faz jornalismo, temos processos, métodos, e é isso é o que diferencia uma produção científica ou jornalística de uma opinião, mas a gente parte de um lugar de enunciação, partimos de um olhar baseado nas nossas vivências. Então quando eu venho falando de pensar no jornalismo esportivo, pensar no esporte praticado por mulheres, venho da minha trajetória pessoal. Esse olhar permite que a gente leve os temas das situações que experienciamos para a ciência, e isso já dispõe uma diversidade. Então, se não é uma mulher olhar para sua própria situação e problematizar isso, levar para o jornalismo e levar para academia, fazer esse recortes, talvez a gente não tenha esse tipo de discussão. A diversidade, especialmente nesses campos que eu tenho ocupado, esses lugares no Jornalismo e no meio acadêmico, são garantias de qualidade e de pluralidade. São mais vozes, mais temas… e a representatividade, ela não só está na produção. Eu não só identifico um problema que tem a ver com a minha vivência e levo à frente, mas também sirvo como modelo, mostro caminhos. Quando a gente vê que tem uma mulher numa posição de poder, a gente se espelha, a gente vê que é possível, a gente abre portas. E quem também ocupa essas posições de poder pode estender a mão para as que estão vindo, pode ajudar cortando esses caminhos. Eu realmente acredito que desbravar essas áreas é algo muito importante e fundamental para que as mulheres não sejam sempre minorias. A diversidade, a representatividade, não deve ocorrer apenas através de uma só mulher num espaço muito amplo, mas deve levar à abertura de portas. E que isso não seja um modelo único, que seja feito por mulheres diversas, mulheres de corpos, idades, cores, vivências bastante diferentes, para que possa impulsionar novas pessoas a ocuparem espaços importantes.

Quais são os seus planos para o futuro? Vamos ver “Mulheres em Campo 2”?

Bom, eu estou no doutorado agora, e eu olho para o futuro pensando que eu também vou querer publicar a minha tese doutoral. Como eu falei, eu acho que meu livro marcou essa passagem de um momento para o outro, então por que não pensar que essa próxima pesquisa também precise ser trazida para esse formato? É um plano, algo que eu estou vislumbrando. Eu tenho me dedicado muito para preencher as lacunas que eu tenho observado, não só na minha produção anterior, mas também na produção do campo como um todo: trazer conceitos e discussões mais refinadas, que só a maturidade de leituras e de produção me permitem. Mas, assim, a produção nunca para… o doutorado tem quatro anos, então a gente produz bastante trabalho! A produção acadêmica é incessante de artigos até a tese, né? É um processo longo e por isso mesmo eu acho tão importante fechá-lo através de uma de um formato tão bacana que é o livro. Vão vir muitos artigos antes para complementar o livro que virá ao final.

Algum último comentário?

Ai eu não sei… deixa eu pensar… Queria dizer que um jornalismo que pensa nas mulheres e que já parte do olhar de que a perspectiva das mulheres é necessária e legítima, que a condição feminina na sociedade é uma pauta que vale a pena ser levantada já é um trabalho muito bacana. Então a partir dessa noticiabilidade é algo muito interessante que eu valorizo muito.

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