As poemas de Bauru: coletânea Helenas #h15

Conheça a nova subseção de poesias, contos e crônicas da Revista Helenas

Helenas
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6 min readFeb 18, 2021

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Curadoria Revista Helenas

Arte: Natália Sena/Revista Helenas

“As poemas”, assim mesmo, no feminino, foi como Nina Rizzi traduziu sua arte poética, sua brincadeira com palavras. Numa língua com marcações claras de gênero, como a Portuguesa, não é estranho que os termos masculinos se sobreponham aos femininos, bem como foi por tanto tempo e ainda é na sociedade brasileira. Mas se estamos falando de produção textual feminina, de palavras que saem de vivências de mulheres, por que não nos apropriarmos da transformação da língua e fazê-la se encaixar nos nossos novos moldes?

As Poemas de Bauru: coletânea Helenas é um novo quadro da revista dentro da seção de literatura Hilda Hilst que reunirá poemas, crônicas e textos diversos das escritoras de Bauru e região. A cada dois meses, nossas leitoras poderão desfrutar da arte, das palavras e das poemas compartilhadas.

[POESIA] — Desejo meu

Por Raquel Salles

Desejo apenas

Minhas mãos com

Aquele cheirinho de café,

Seu rostinho amassado

Depois daquele sono profundo

E seu perfume se espalhando

Por todos os cantos da casa.

Desejo simples

Genuinamente meu,

Transbordando intensidade.

[POESIA]: Retrato de uma Dama

Por Maria Freitas

O que há em mim que te apavora?

Te devora e não devota o teu olhar.

O que há?

O que te chama inflama a chama…mas não espalha fagulhas no ar…

Ah, se não fosse esse meu recato nesse meu encanto, nesse meu canto.

De senhora no tempo!

Ah, se não fossem esses pré-requisitos de achar que sigo o caminho certo.

Embora incerto, tempo deserto de ninguém…sigo pintando retratos de vida, fases de alguém.

Hoje me pinto senhora sem temer as substâncias, as circunstâncias, sem desanimar.

Perfeita no que faço! Nesse imenso porto seguro o meu coração se ancora

Nesse ponto de interrogação

O que há em mim que te apavora?

[POESIA]: Chefe da Tribo

Por Tamires de Oliveira Castro

A dor da balada tardia suplantada na fáscia plantar

Eu tardiamente sucumbia a sarjeta pra me derramar

Desalmar com seus drinks, envolvida e molhada

Destilada e do outro da coqueteleira

Maracujá e gelo e vodka e minha vida pra adoçar

Num chocalho de aço inoxidável que soava bonito

Mas você o chefe da tribo, não bebia

Tampouco gostava de mim

Plantada na multidão de um rock antigo, duvido

Que você me tomou tão menina e ruína

A banda era número e letra e canção de guerra

Eu conhecia as notas e me misturava

As de guitarra, as do seu pescoço e as de maracujá

As plantas dos meus pés, insensíveis à gravidade

Renegando o meu peso líquido

Enquanto você me agitava, índio alquimista de mim

Eu flutuava na atmosfera

Como água em gravidade zero

Fluí e fui feliz, antes de regar o meio fio

Em degelo saí do carro

Prateado e condensado

Na manhã suada

Eu era menina mexida

Devolvida na calçada

Onde fiquei

Até escorrer

Junto a chuva

Desaguada salgada e bêbada

Abalada em passiflora e amor prematuro

Plantada em fase alata e minguante da lua

[CRÔNICA]: AntiTinder

Por Amanda Helena

Depois de vários tabefes da vida, em que perdi a confiança em infinitas prateleiras físicas e virtuais que abrigam romances açucarados e cintilantes, eu arrisco a fazer minha definição de amor, um tanto quanto “Bukowskiana” e nada bucólica: “O amor é sonhar com a pessoa cagando e acordar feliz”. Sim, eu disse CAGANDO! Nada de cocô, nada de número dois, nada de vou ao toilet retocar a maquiagem…

Algum tempo atrás, conversava com um amigo sobre um antiTider, como um aplicativo às avessas do conhecido site de relacionamentos, o qual facilitaria a vida dos pretendentes. Por exemplo, ao invés de murchar a barriga com cintas vácuas, deixaríamos a pança no foco da lente, como também trocaríamos o extenso currículo, termômetro de poder, por um “paguei para fazer meu tcc”. Nada de fotoshop e, no lugar de frases de empoderamento, colocaríamos que babamos e dormimos com a boca aberta, além de que, muitas vezes, soluçamos em posição fetal. Nas perguntas sobre temperamento iríamos direto nas asperezas: sou estressada ou chorona ou lerda ou rancorosa ou bêbada ou depressiva ou ansiosa ou mesquinha com dinheiro ou gastona ou atrasada ou adiantada, agudamente franca ou quase tudo junto.

Diríamos não ter lido tanto assim, sairíamos no primeiro encontro sem maquiagem, sem perfume doce gritando feromônio, a roupa com os pelos do bicho predileto e… para quem gosta de um bom arroto, tirar aquele do mais profundo ser.

Penso que tal aplicativo não faria tanto sucesso a princípio, mas livraria muita gente de terapias, cartomantes charlatonas e porres ao som de Marília Mendonça e Pablo. Mas, penso também que, se o tempo gasto em impressionar fosse direcionado ao brilho dos olhos, à forma como o alvo trata o bêbado que pede cigarro, ou garçom, e como ele se refere à ex, por exemplo, talvez conseguíssemos captar algo além de um jato de esperma e gritinhos de “gozei”, que diversas vezes é confundido com o amor que muda o status das redes sociais.

Aspirar um romance cheio das mais belas cenas, da frase certa quando a vela do jantar erradia a luz mais romântica, até a parceira que usa a voz mais libidinosa para se declarar louca de tesão, é surreal. Imaginar momentos difíceis com conversas super equilibradas e maduras é surreal. Afagar o bichinho de estimação da pretendente e sair asseado, contemplar a mulher desejada com o cabelo alinhado e a pele reluzente é surreal.

Sim, tudo surreal, e ouvindo a palavra surreal temos a primeira impressão de ser algo maravilhoso, mas ser surreal tem a ver com sonho e idealizações, uma mentira bonita. Sonhar não é ruim e sem ele não viveríamos. A vida, no puro concreto, seria impossível, mas poderíamos fazer dos sonhos algo tangível.

Ela atrasa, mas faz um estrogonofe maravilhoso; ela gosta de beber e nunca me escondeu isso; ela às vezes é grosseira, mas confia em mim quando muitos não veem meu potencial; ela ronca, mas faz cafuné como ninguém; ela não leu todos os clássicos, mas me ensinou sobre constelações.

Quiçá as descobertas das qualidades fosse algo natural, surpreendente, e não um folder eletrônico vendendo um produto com vícios ocultos. Juristas sabem bem sobre as querelas consumeristas acerca de tais vícios, eles acontecem quando nos superfaturamos e escondemos a todo custo nossas trincas corpóreas e emocionais, mas isso, cedo ou tarde, aparece.

Viver não é asséptico, blindado e alinhado, mas é uma delícia acordar com um café na cama por aquele sujeito que escuta a droga dos Los Hermanos e torce para o time rival.

Intolerável é agressão, intolerável é viver com alguém atolado em vícios destrutivos, intolerável é aceitar presente enquanto o boy atrasa a pensão, intolerável é o ser ególatra e egoísta, intolerável é comparar humanidade com desvios sérios de caráter.

Mas tão intolerável quanto, é não tolerar mínimas e inofensivas contrariedades.

Vampiros são charmosos apenas na sétima arte, porque fazem parte do surreal.

Ainda somos de carne e osso, apenas nos esquecemos disso, algumas vezes, quando utilizamos aplicativos de caça humana.

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