As Poemas de Bauru: Coletânea Helenas #h21

Leia a crônica “Balançando os pés na banqueta da cozinha”, da escritora Jordana Machado

Helenas
revistahelenas
3 min readAug 21, 2021

--

Arte: Francimeire Leme/Revista Helenas

Na edição #h21, As Poemas apresenta a crônica “Balançando os pés na banqueta da cozinha”, da escritora Jordana Machado.

Neste quadro da revista publicamos poemas, crônicas e outros textos literários das escritoras de Bauru e região. A cada dois meses, nossas leitoras desfrutam da arte, das palavras e das poemas compartilhadas. Recebemos as obras literárias pelo link de submissão de texto, aqui. Mande seu texto!

Balançando os pés na banqueta da cozinha

Por Jordana Machado

Feijão saindo do fogo, acabou de destampar, totalmente fresquinho. Se você pensou num número de alho, pode duplicar, é bom demais, nunca é o bastante, pode dale. Isso. Dez minutos para encorpar. Declaro que não tenho paciência de picar o alho tão pequeno e faço palavras-cruzadas enquanto aguardo. As pessoas que conseguem preparar uma refeição de modo que tudo fique pronto mais ou menos ao mesmo tempo. Não sei quem são essas pessoas. O natural é que a fome e a ausência de degustes e aperitivos nos faça querer ficar beliscando o que vai ficando pronto. Vamos beliscar o feijão.

Pegamos duas cumbuquinhas, as colheres, a farofa, faltou uma pimentinha de leve, hein?! Ele colocou uma concha, mais uma, mas meia concha, jogou um pouco de farofa no canto da cumbuquinha. A fumaça subindo, que alegria. Alegria em forma líquida; Bauman não sabe de nada. Ele ficou mexendo o feijão delicadamente, despejando o feijão da colher no feijão da cumbuquinha, uma vez, duas vezes, apreciando o momento, conferindo se estava encorpado mesmo, enquanto eu já estava prestes a ir para a segunda cumbuquinha, mas me lembrando de que era preciso deixar espaço para o restante das coisas que não ficaram prontas ainda.

E lá vai ele, aproximando a colher da boca; eu ansiosa pela reação, pois meu feijão é conhecido como inesquecivelmente bom, a colher cada segundo mais próxima da boca, “nossa, como é lento”, eu penso, então antes de colocar a colher na boca ele assopra e milhões de partículas de farofa se espalham por toda a mesa. “Você é burro?” “Nem sempre, por quê?” “Porque parece, você acabou de assoprar farofa.” “É, não tenho muita experiência com farofa.” “Percebi isso quando você colocou a farofa no cantinho da cumbuquinha.” “O lugar onde se coloca a farofa é assim determinante?” “O que te fez colocar a farofa só ali naquele cantinho, qual conceito você construiu na sua cabeça para justificar isso?”, fiquei curiosa. “Bom, pensei em colocar só num cantinho para poder vivenciar duas texturas, a mais densa com a farofa, e a mais líquida do feijão sozinho.” “É, faz sentido, realmente nem sempre você é burro.”

E você, qual seu argumento para justificar essa mistura de feijão com farofa como se estivesse batendo claras em neve? Meu filho, o nome disso aqui é pirão, isso aqui é tradição, fundamento, basilar; num pirão não cabe essa ambiguidade máscula fálica geminiana ocidental de querer mais de uma coisa ao mesmo tempo, isso aqui é a expressão máxima da unidade e comunhão na cozinha brasileira, isso aqui não é pizza meio a meio, não. Será que existe pizza de pirão? Tsc.

O tempo não passa. Arquivo pessoal, 2020.

Revisão técnica e linguística por Gabriela Bonora.

Gostou desse texto? Aplauda! Clique em quantos aplausos (de 1 a 50) você acha que ele merece e deixe seu comentário!

Quer mais? Segue a gente: Medium | Facebook | Instagram

--

--