[Entrevista] Patrícia Lima conta sobre o lançamento do livro “O amor é um solo de jazz” #h9
Primeiro livro da escritora é lançado pela editora Patuá
Por Francimeire Leme
A mulher e a sanfona
Sobre a fronte da casa
se balança
uma senhora
os olhos já não enganam
a idade ou as tristezas
no titubear das lembranças
uma sanfona vermelha
pesa em seu colo macio
os braços asas
perseguem notas
ávidas por
enamorar desconhecidos
e fazer crianças
correrem sem amanhã
tanta alegria
será memória ou será sonho?
a voz do marido
ecoa na sala vazia:
sanfona é coisa de puta!
o despertador toca
e
na mão do marido
o sonho se desfaz
ela se levanta
para aquecer água
o apito agudo da chaleira
o timbre que lhe restou.
(Patrícia Lima)
A escritora Patrícia Lima conta um pouco sobre sua vida literária e sobre o lançamento de seu primeiro livro, “O amor é um solo de jazz”, neste ano em Bauru-SP.
Patrícia é graduada em Letras (USC) e tem especialização em Linguagem, Cultura e Mídia (Unesp). Nasceu em São Paulo-SP, onde viveu até os 19 anos, mudando-se então para Bauru-SP, onde se formou. Hoje atua como servidora pública da Unesp. Escreve contos e crônicas no blog Dança das Palavras e teve poemas publicados em antologias e jornais literários. É idealizadora e coordenadora do grupo de leitura bauruense Cevadas Literárias, em atividade desde 2017.
“O Amor é um solo de jazz” é fruto de experiências diversas da escritora. Ela conta que as decepções amorosas lhe deram impulso para escrevê-lo. Com 4 partes, que versam sobre escrita, literatura, alteridade, amor e jazz — o livro acabou indo muito além da temática amorosa.
Conversamos com a escritora para saber mais sobre seu livro de estreia, lançado virtualmente pela editora Patuá no dia 10 de junho. Confira a seguir a entrevista completa com Patrícia Lima:
Por que e para quem você escreve?
Escrevo primeiramente porque amo literatura. Também acho que encontrei na escrita um modo genuíno de me expressar. E escrevo para quem quiser ler. Eu acho que as pessoas sensíveis às relações humanas e às delicadezas da vida irão desfrutar da minha literatura. Porém eu sempre escrevo pensando que literatura é algo para todos.
Quando começou a escrever?
Comecei a escrever músicas e poemas na adolescência, quando senti necessidade de expressar sentimentos mais elaborados, como os relacionados ao apaixonamento, à sexualidade, aos conflitos familiares, às percepções sobre a desigualdade. Mais adulta, além de poesia, comecei a produzir crônicas e contos.
Quais autores(as) influenciaram seu estilo literário?
Ainda que meu primeiro livro seja de poesia, penso que a Clarice Lispector (exímia contista e romancista) me influenciou muito. O texto dela esmiúça o banal para pensar sobre a existência. Tirar grandiosidade do que é pequeno, isso me interessa muito como artista. Outros escritores que me influenciam: Manuel Bandeira, Carlos Drummond de Andrade, Adriana Lisboa, Ana Martins Marques, Mia Couto, João Anzanello Carrascoza.
Qual é o seu livro de cabeceira?
Minha bíblia é o “Todos os contos” da Clarice Lispector, sempre retomo como estudo e apreciação. Mas atualmente estou lendo dois livros: “Homens imprudentemente poéticos”, de Valter Hugo Mãe e “No final da tarde”, de Kent Haruf. Gosto de alternar leituras bem diferentes. Quando canso de uma visão ou ritmo, vou à outra.
O que lhe inspirou a escrever “O amor é um solo de jazz”?
Iniciei o livro após sucessivas decepções amorosas. Resolvi correr atrás das palavras ao invés de correr atrás do amor (ao menos, do amor romântico). Foi um dos melhores impulsos que a melancolia já me trouxe.
Já tinha inevitavelmente alguns poemas de amor, mas quando decidi que seria um livro, percebi que queria mais. Acabei formando 4 unidades temáticas: “Da ventania à palavra”, que traria reflexões sobre o processo de escrita e sobre a literatura; “A casa do outro”, teria poemas sobre alteridade — uma tentativa linguística de estar na pele do outro, especialmente daqueles silenciados historicamente; “Corpo-casa”, traria o elo entre a infância e a idade adulta: a construção de nosso próprio espaço interno; e o “Amor é um solo de jazz” ponderaria sobre o amor num viés contemporâneo e musical.
Como surgiu a ideia para o nome do livro?
Eu sou apaixonada por música. Num dia, tocando bateria, eu tive um pensamento rudimentar como “O amor parece um solo de bateria. Difícil de aprender e igualmente arrebatador”. Como eu estava ouvindo muito jazz na época, fui pensando nessas coisas. Fazendo analogias entre os elementos do jazz e o amor. Ambos cheios de improvisos, complexidade e beleza. Para além da bateria, quis contemplar outros instrumentos, como saxofone, guitarra, baixo e piano. Acabei achando que cairia melhor “O amor é um solo de jazz”.
Como é possível adquiri-lo?
Através do site da Editora Patuá, no link:
Em breve estará também disponível na Amazon.
O que você gostaria de dizer às pessoas, principalmente mulheres, que estão começando a escrever?
Escrevam e leiam muito. E não sejam tão duras consigo enquanto escrevem, senão o texto não sai. As mulheres tendem a ser muito duras consigo (não à toa). Eu demorei 10 anos para ter coragem de publicar meu primeiro livro. Estudem e ouçam outros escritores. Aceitem o processo de aprendizado, que é longo. Mas não se boicotem. E ajudem outras mulheres a ganhar segurança para escrever e publicar, o mundo precisa ouvir o que as mulheres têm a dizer.
Qual a sua sugestão de leitura para os tempos de pandemia?
Sugiro não ler as notícias. Brincadeira, ler as notícias, sim, porque se informar é preciso, mas ler grandes autores como José Saramago, Machado de Assis, Clarice Lispector, Guimarães Rosa — para lembrar que a beleza, a inteligência e a dignidade são universos possíveis, ainda que pareça tão difícil de acreditar.
Francimeire Leme é Linguista, fascinada por Literatura, Cinema e Fotografia. Aspira um mundo com igualdade de gênero realmente, sem nenhum tipo de opressão e exploração humana.