Estilo Nise de ser: medicina baseada no amor #h3
por Nayane Mensato*
*Mulher. Professora. Educadora e aprendiz. Fissurada em leitura e boa ouvinte. Mãe de filhos caninos. Esposa. Filha. Irmã e amiga. Feminista em constante evolução.
Nise da Silveira é uma daquelas mulheres urgentes, necessárias, históricas. Foi psiquiatra alagoana (1905–1999) e revolucionou o trato com pacientes mentais, enxergando que a esquizofrenia, ou qualquer aspecto considerado “fora da normalidade” não necessitava de cura, mas sim de atenção, ou seja, de reconhecimento das dignidades humanas tão marginalizadas pela sociedade. Rebelou-se contra tipos de tratamentos que médicos da área da psiquiatria aplicavam aos pacientes (confinamento, eletrochoques, insulinoterapia e lobotomias). Para eles, a finalidade era o do “ajustamento”, para ela, no entanto, o que importava não era o retorno à lucidez (um aspecto questionável a seu ver), propondo, então, um cuidar humanizado, o qual fazia uso da chamada arteterapia para a reabilitar e promover uma melhoria na qualidade de vida dos internados.
Sempre a frente de seu tempo, Nise foi a única mulher a se formar em Medicina na Bahia em uma turma de 157 alunos, no ano de 1926. Era politizada, discutia temas que ultrapassavam a área médica, apresentando, por exemplo, um estudo cujo enfoque era um ensaio sobre a criminalidade da mulher no Brasil. Durante o Estado Novo foi presa política (entre os anos de 1934–1936) acusada de envolvimento com ideologias comunistas. No cárcere teve contato com outras figuras históricas como Olga Benário e Graciliano Ramos, esse último que a citou em uma de suas obras tão importantes:
“(…) Lamentei ver a minha conterrânea fora do mundo, longe da profissão, do hospital, dos seus queridos loucos. Sabia-se culta e boa. Rachel de Queiroz me afirmara a grandeza moral daquela pessoinha tímida, sempre a esquivar-se, a reduzir-se, como a escusar-se a tomar espaço.” (Memórias de um cárcere)
“Não se cura além da conta. Gente curada demais é gente chata.” (Nise)
A sociedade sempre foi (e ainda é) muito displicente e preconceituosa quando o assunto é loucura. Afinal, o que é ser ou não louco? Esse tipo de questionamento pairava na mente de Nise continuamente. Foi quando a mesma percebeu que as artes plásticas eram o melhor canal de comunicação que ela tinha com os pacientes esquizofrênicos considerados graves, ou seja, aqueles em que não possuíam uma comunicação verbal/oral eficiente. Assim, pode-se dizer que quando havia um contato com as tintas, com os lápis, com as telas, surgiam vozes que gritavam os conflitos internos em que eles viviam, e, desse modo, constatou-se que o mundo interior de tais poderia, de fato, ser acessado e compreendido.
Em 1952, Nise fundou o Museu de Imagens do Inconsciente, onde muitas obras ganharam reconhecimento pela qualidade artística e estética. De início, diversas linguagens artísticas, como música, dança, teatro, artesanato, pintura e xilogravura estavam presentes no museu. No entanto, com o passar dos anos as áreas de pintura e modelagem assumiram posições de destaque e até hoje estão em funcionamento com um acervo de mais de 350 mil obras, presente na cidade do Rio de Janeiro.
Assim como tantas outras mulheres, Nise é digna de reconhecimento pelo legado que deixou e pela revolução que proporcionou não só na área médica, mas na defesa da percepção e recepção de uma sociedade muito mais inclusiva e humana.
Referência
FERREIRA, Jéssica. “Quem foi Nise da Silveira, psiquiatra que humanizou os tratamentos no Brasil”. Revista Galileu, 21 set. 2019. Disponível em: <https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2019/09/quem-foi-nise-da-silveira-psiquiatra-que-humanizou-os-tratamentos-no-brasil.html>. Acesso em: 19 dez. 2019.
Texto pertence a 3a. edição da revista Helenas.