Estilo Nise de ser: medicina baseada no amor #h3

por Nayane Mensato*

Helenas
revistahelenas
3 min readDec 26, 2019

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*Mulher. Professora. Educadora e aprendiz. Fissurada em leitura e boa ouvinte. Mãe de filhos caninos. Esposa. Filha. Irmã e amiga. Feminista em constante evolução.

Nise da Silveira é uma daquelas mulheres urgentes, necessárias, históricas. Foi psiquiatra alagoana (1905–1999) e revolucionou o trato com pacientes mentais, enxergando que a esquizofrenia, ou qualquer aspecto considerado “fora da normalidade” não necessitava de cura, mas sim de atenção, ou seja, de reconhecimento das dignidades humanas tão marginalizadas pela sociedade. Rebelou-se contra tipos de tratamentos que médicos da área da psiquiatria aplicavam aos pacientes (confinamento, eletrochoques, insulinoterapia e lobotomias). Para eles, a finalidade era o do “ajustamento”, para ela, no entanto, o que importava não era o retorno à lucidez (um aspecto questionável a seu ver), propondo, então, um cuidar humanizado, o qual fazia uso da chamada arteterapia para a reabilitar e promover uma melhoria na qualidade de vida dos internados.

Foto: Centro Cultural da Saúde / Ministério da Saúde.

Sempre a frente de seu tempo, Nise foi a única mulher a se formar em Medicina na Bahia em uma turma de 157 alunos, no ano de 1926. Era politizada, discutia temas que ultrapassavam a área médica, apresentando, por exemplo, um estudo cujo enfoque era um ensaio sobre a criminalidade da mulher no Brasil. Durante o Estado Novo foi presa política (entre os anos de 1934–1936) acusada de envolvimento com ideologias comunistas. No cárcere teve contato com outras figuras históricas como Olga Benário e Graciliano Ramos, esse último que a citou em uma de suas obras tão importantes:

“(…) Lamentei ver a minha conterrânea fora do mundo, longe da profissão, do hospital, dos seus queridos loucos. Sabia-se culta e boa. Rachel de Queiroz me afirmara a grandeza moral daquela pessoinha tímida, sempre a esquivar-se, a reduzir-se, como a escusar-se a tomar espaço.” (Memórias de um cárcere)

“Não se cura além da conta. Gente curada demais é gente chata.” (Nise)

A sociedade sempre foi (e ainda é) muito displicente e preconceituosa quando o assunto é loucura. Afinal, o que é ser ou não louco? Esse tipo de questionamento pairava na mente de Nise continuamente. Foi quando a mesma percebeu que as artes plásticas eram o melhor canal de comunicação que ela tinha com os pacientes esquizofrênicos considerados graves, ou seja, aqueles em que não possuíam uma comunicação verbal/oral eficiente. Assim, pode-se dizer que quando havia um contato com as tintas, com os lápis, com as telas, surgiam vozes que gritavam os conflitos internos em que eles viviam, e, desse modo, constatou-se que o mundo interior de tais poderia, de fato, ser acessado e compreendido.

Em 1952, Nise fundou o Museu de Imagens do Inconsciente, onde muitas obras ganharam reconhecimento pela qualidade artística e estética. De início, diversas linguagens artísticas, como música, dança, teatro, artesanato, pintura e xilogravura estavam presentes no museu. No entanto, com o passar dos anos as áreas de pintura e modelagem assumiram posições de destaque e até hoje estão em funcionamento com um acervo de mais de 350 mil obras, presente na cidade do Rio de Janeiro.

Obra de Adelina Gomes, uma das pacientes de Nise da Silveira / Acervo do Museu de Imagens do Inconsciente.

Assim como tantas outras mulheres, Nise é digna de reconhecimento pelo legado que deixou e pela revolução que proporcionou não só na área médica, mas na defesa da percepção e recepção de uma sociedade muito mais inclusiva e humana.

Referência

FERREIRA, Jéssica. “Quem foi Nise da Silveira, psiquiatra que humanizou os tratamentos no Brasil”. Revista Galileu, 21 set. 2019. Disponível em: <https://revistagalileu.globo.com/Sociedade/noticia/2019/09/quem-foi-nise-da-silveira-psiquiatra-que-humanizou-os-tratamentos-no-brasil.html>. Acesso em: 19 dez. 2019.

Texto pertence a 3a. edição da revista Helenas.

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