“Eu fico besta quando me entendem” #h1

por Nathalia Silva*

Helenas
revistahelenas
4 min readOct 28, 2019

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*Professora, Mestranda em Educação, leitora de livros e pessoas, alguém que sonha e busca um mundo melhor.

Dez chamamentos ao amigo

Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água
Desejasse

Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.

Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta

Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.

HILST, Hilda. Júbilo, memória, noviciado da paixão. 1974.

Retrato inédito de Hilda Hilst, feito por Fernando Lemos, em 1954, que ficou 60 anos guardado e foi gentilmente cedido à repo
Retrato inédito de Hilda Hilst, feito por Fernando Lemos, em 1954.

Conheci Hilda Hilst por meio deste poema tão potente, convidativo e repleto de desejo, componente este que vai permear toda sua obra.

Comecei a tentar desvendar a autora por seus poemas (indico aos leitores que façam esta experiência), e ao encaminhar para os textos em prosa é notório a permanência do tom poético transpassando todo seu percurso literário. Hilda, reverbera a poesia. Complexa, sim; lasciva, também; intensa, sempre.

Hilda de Almeida Prado Hilst (1930-2004), nascida em Jaú, interior de São Paulo, filha de Bedecilda Vaz Cardoso e Apolônio de Almeida Prado Hilst, um fazendeiro e escritor, diagnosticado com esquizofrenia. Ao longo da vida Hilda buscou por meio da sua literatura orgulhar o pai, considerava-o um gênio.

Formou-se em Direito na Universidade de São Paulo (USP), ao longo do curso, Hilda publicou seus primeiros livros de poesia: Iniciando por Presságio, publicado em 1950, e no ano seguinte, o livro Balada de Alzira. Os livros foram bem recebidos pelos escritores da época, como Cecília Meirelles, Lygia Fagundes Telles (sua amiga pessoal), Jorge de Lima, Sérgio Milliet e Sérgio Buarque de Holanda.

Sua vida era regada de paixões, amor pela literatura e inserida num contexto boêmio paulistano. Entretanto, este padrão de vida começou a não fazer mais tanto sentido para a autora, e na primeira metade da década de 1960, após a leitura de Carta a El Greco, do escritor grego Nikos Kazantzakis, muda-se para Campinas, para morar na fazenda de sua mãe e dedicar-se à Literatura. Lá constrói sua morada, a Casa do Sol. Casa-se com o escultor Dante Casarini, em 1966, e mantém o relacionamento até 1980.

Hilda escreveu por quase cinquenta anos e suas obras ultrapassam 40 títulos, entre poesia, livros de ficção e teatro, ganhando tradução em 7 países e recebendo títulos literários importantes como: o Grande Prêmio da Crítica para o Conjunto da Obra, pela Associação Paulista de Críticos de Arte, em 1981. A Câmara Brasileira do Livro, em 1984, atribuiu o Prêmio Jabuti, a Cantares de Perda e Predileção. Além desses, Rútilo Nada, publicado em 1993, pela editora Pontes, levou também o Prêmio Jabuti na categoria de conto.

Embora a escritora fosse reconhecida pelos seus pares, era uma autora pouco lida, muitos até a chamavam de hermética e de bruxa, por conta dos temas que buscou tratar (sexualidade, amor, morte, Deus e transcendência).

Para Hilda o fato de escrever um texto erótico resultaria em um maior interesse pela sua obra, dedicando-se com mais afinco em sua fase considerada pornográfica os livros: Obscena Senhora D (1982); O Caderno Rosa de Lori Lamby (1990), Contos d’escárnio/Textos Grotescos (1990); Cartas de um Sedutor (1991)e Bufólicas (1992).

Em entrevistas cedidas na época, a autora declarou que: “o meu livro é uma banana para o mercado editorial, as pessoas precisam ser acordadas”, mas ainda assim suas expectativas foram frustradas, pois somente tem um alcance maior após sua morte em 2004, e finalmente em 2018, sendo homenageada na Feira Literária Internacional de Paraty (Flip).

Hilda é uma mulher repercutindo seus desejos, de corpo e alma, escancarando as vontades femininas, além de ter sido defensora da fenomenologia, acreditava em práticas místicas, seus escritos e sua vida foram transgressores e por isso que H. H., uma mulher, vai intitular a seção de Literatura da revista Helenas, e desejamos que mais pessoas, e principalmente nós, mulheres, possamos entendê-la.

Hilda com seu gravador na Casa do Sol, década de 1970. Acervo pessoal/Instituto Hilda Hilst.

Referências

INSTITUTO Hilda Hilst. Disponível em: <https://www.hildahilst.com.br/>. Acesso em: 23 out. 2019.

INSTITUTO MOREIRA SALLES. Disponível em: <https://issuu.com/ims_instituto_moreira_salles/docs/clb_hilda_-_geral>. Acesso em: 23 out. 2019.

Texto pertence a 1a. Edição da Revista Helenas.

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