Literatura feminina segue invisibilizada, mas elas sempre escreveram

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4 min readNov 18, 2021

Dificuldade de divulgação de obras femininas também acontece durante aulas de literatura

Por Ana Paula Toledo

Arte: Nathália Sena

A história da literatura brasileira por vezes é contada citando a chegada dos portugueses ao Brasil. O marco do início da literatura começa por meio dos escritos sobre a terra invadida e os povos originários que a habitavam. Esses primeiros escritos literários eram feitos em diários e documentos históricos. Mas, assim como a história do Brasil não começa em 1.500, a literatura brasileira também é bem mais ampla do que a que a gente costuma conhecer.

Rachel de Queiroz, Cecília Meireles, Cora Coralina, Clarice Lispector. Estes são alguns nomes que vêm à mente ao se pensar em escritoras brasileiras. Historicamente, a figura feminina ficou restrita ao ambiente doméstico, sendo privada do sistema educacional tradicional. As pressões socioculturais destinaram à mulher uma posição acessória em todos os aspectos da construção da história da humanidade, tornando-a inferior dentro da hierarquia familiar e sacrificando sua própria identidade.

Para a Jornalista Bruna Mano, o machismo tem reflexos profundos e duradouros em nossa sociedade, e na literatura isso não é diferente, já que a voz feminina sempre tentou ser calada e descredibilizada: “cito o exemplo do clássico livro ‘Frankenstein’, lançado anonimamente por Mary Shelley, em 1818. O livro foi pioneiro e precursor da literatura de horror e ficção científica. Justamente pelo fato de a autora ser uma mulher, a obra só recebe a assinatura de Mary em sua terceira edição, que foi revisada e publicada em 1831”, frisa Bruna.

Em meados da década de 1960, as mulheres passaram a lutar por um lugar onde não fossem apenas figurantes, pois sua condição até então era única e exclusivamente de objeto material Segundo a autora Constância Lima Duarte (2003), a crítica feminista, surgida por volta de 1970 no contexto feminino, fez emergir uma tradição literária feminina até então ignorada na história da literatura. A partir disso, muitos historiadores começaram a resgatar e a reinterpretar a produção literária de autoria feminina.

Factualmente, o cânone literário, tido como um conjunto de obras-primas representativas de determinada cultura local, foi majoritariamente constituído pelo homem ocidental, branco, de classe média caracterizado por uma ideologia que exclui os escritos de mulheres, principalmente de etnias não brancas, e dos segmentos sociais menos favorecidos.

Publicação literária ainda é majoritariamente masculina. Foto: Freepik

Segundo uma pesquisa realizada pelo Grupo de Estudos em Literatura Brasileira Contemporânea, um coletivo de pesquisadores vinculado à Universidade de Brasília (UNB), mais de 70% dos livros publicados por grandes editoras brasileiras, entre 1965 e 2014, foram escritos por homens.

E os dados de exclusão não param por aí, durante os primeiros 80 anos de existência da Academia Brasileira de Letras, nenhuma mulher fez parte de qualquer cadeira. Só em 1977 que Rachel de Queiroz tornou-se a primeira mulher a ingressar na Academia.

Tamiris Volcean é jornalista e Doutoranda em Literatura Brasileira. Para ela, quando questionados sobre conhecimentos prévios de literatura brasileira, a maior parte deles oferece nomes majoritariamente masculinos, desconhecendo autoras femininas que não sejam aquelas poucas trabalhadas na segunda metade do século XX. “Ainda há muita resistência por parte dos professores e professoras em alterar a rota, apresentando conteúdos que extrapolem aquele contido nas apostilas e livros didáticos. Hoje, quando preparo uma aula sobre determinado período literário, preocupo-me em apresentar obras que expressem o ponto de vista das minorias daquele contexto”, lembra Volcean.

Tamiris também explica que neste ponto, é importantíssimo considerar o conceito de interseccionalidade, incluindo obras de mulheres negras periféricas, como Carolina Maria de Jesus, no rol de títulos apresentados aos alunos e às alunas. “É impossível reconhecer o gênero da autoria de um escrito somente a partir do próprio texto. Portanto, quando falamos de literatura feita por mulheres, não há diferença alguma. Mas, vale a pena frisar uma reflexão de Virgínia Woolf, que aponta para a incapacidade de autores masculinos em desenvolver narrativas que, como eu disse acima, fazem parte de um conjunto de obras a respeito das mulheres. Neste caso, há uma diferença”, finaliza a jornalista.

O cenário atual já é bem mais animador para as escritoras, porém o preconceito e o machismo ainda estão presentes em todas as camadas da sociedade, ainda que de forma velada. Infelizmente, a palavra da mulher ainda não tem o mesmo valor que a palavra de um homem. É justamente por isso, que todos os dias mulheres precisam ir à luta em busca do protagonismo. A busca constante por uma escrita feminina com identidade própria vem se firmando, mas é um processo lento, assim como todas as conquistas.

Referências

BORBA, Débora Maria. A literatura de autoria feminina no Brasil. Disponível em: Disponível em: <www.mundojovem.com.br/artigos/a-literatura-de-autoria-feminina-no-brasil>. Acesso em: 14 nov. 2021.

BRUSCHINI, C. (Orgs.). Uma questão de gênero. Rio de Janeiro, Rosa dos Tempos, São Paulo, FCCh, 1992.

DUARTE, Constância Lima. Feminismo e literatura no Brasil. In: Estudos avançados, São Paulo, 2003, v. 17, n. 49, p. 151–72.

HOLLANDA, Heloísa Buarque de. Os estudos sobre mulher e literatura no Brasil: uma primeira avaliação. In: COSTA, Albertina de Oliveira.

Web artigos. Literatura de autoria feminina. Disponível em: <www.webartigos.com/literatura-de-autoria-feminina>. Publicado em: 23 out. 2008.

Revisão linguística e técnica por Rebeca Almeida

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