Que o substantivo masculino fique apenas na palavra “vernissage”, ou nem isso

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4 min readMar 30, 2021

Por Mariane Santinello Longhi

Arte: Andrezza Marques/Revista Helenas

Com o cartaz em mãos, eu conto um a um. Observo o ambiente. Sinto os olhares nem sempre convidativos.

Existem perguntas tão simples, que fazem com que fiquemos marcadas. Existe uma sede por reparações históricas que abalam posturas, essas que tendem a manter-se em pé, gastando mais energia pela permanência do que pela humildade em nos escutar.

Talvez, de fato seja incômodo uma mulher contar os nomes dos artistas e destacar que a curadoria não está atrelada aos anseios sociais, e que uma exposição de arte está aquém das discussões atuais em relação à paridade de gênero, tanto práticas quanto teóricas.

“Casulo”, Fernanda Dotti, Aquarela, 28 x 21cm, 2019.

Será que eu deveria me desculpar por ler Judy Chicago, 1971, e compreender que historicamente os homens tiveram ferramentas disponíveis para integrar os círculos artísticos, enquanto nós mulheres, tivemos que lutar por elas? Será que Linda Nochlin, 1971, estava equivocada ao questionar sobre a concepção de “grandes artistas”, partindo da consciência de que temos uma visão eurocêntrica e marcada por “gênios” da arte, dentro de um contexto em que estes conhecimentos eram negados às mulheres? Será que as exposições de arte que estão ocorrendo nas capitais, em grandes museus, também estão erradas?

Em 2017, o coletivo feminista Guerrilla Girls ocupou o MASP (Museu de Arte de São Paulo Assis Chateaubriand), com produções gráficas que questionavam as relações da mulher artista em uma história da arte dominada, historicamente, por homens.

Na Pinacoteca de São Paulo, em 2018, tivemos a exposição coletiva “Mulheres Radicais: arte latino-americana, 1960–1985”, com curadoria da historiadora Cecilia Fajardo-Hill e da Andrea Giunta, levando ao público um mapeamento das artistas latinas, muitas delas desconhecidas, evidenciando suas produções e valorizando essas artistas dentro da história da arte. No mesmo ano de 2018, tivemos a exposição “Arte tem gênero? Mulheres na Coleção de Arte da Cidade”, apresentando obras feitas por artistas mulheres do acervo do CCSP — Centro Cultural de São Paulo.

Em 2019, o MASP reuniu 30 artistas e coletivos que emergiram do século XXI, trabalhando perspectivas feministas, na mostra “Histórias feministas: artistas depois de 2000”. Essa mostra foi uma continuação e, também, um contraponto da mostra “Histórias das mulheres: artistas até 1900”, do MASP. Vale lembrar que o museu fica localizado na Avenida Paulista, uma das principais avenidas da cidade de São Paulo, palco de diversas manifestações históricas, sociais, políticas e econômicas.

Se essas exposições ocorreram e ocorrem na capital, como são os movimentos do interior oeste paulista? Quem há de sustentar as discussões feministas e contra coloniais? Fazer exposição de arte é apenas colocar as obras em um espaço, ou é também mobilizar o público para que ele faça reflexões? Uma exposição específica sobre mulheres, pouco divulgada e sem engajamento político, não basta. Exposições com 30% de participação feminina não basta. Residência artística com apenas uma mulher selecionada, é no mínimo, piada.

Veja você também, conte quantas, quantes e quantos artistas estão expondo suas obras em espaços públicos culturais da cidade, quantas, quantes e quantos são jovens, quantas, quantes e quantos são negras, negres e negos, quantas, quantes e quantos compõem a comunidade LGBTQi+. As discussões e exposições atreladas aos anseios sociais estão partindo de grupos independentes ou temos políticas públicas culturais voltadas às reparações históricas dentro das artes visuais?

E aos poucos, vamos percebendo que havemos de criar nossos próprios espaços, havemos de estudar e nos colocarmos em territórios, às vezes hostis, havemos de escrevermos sobre nossos anseios. Que haja crítica, que haja arte, que haja discussão, o que não podemos permitir, é que aceitemos tudo que não nos representa.

É preciso que estejamos atentas, com os cartazes em mãos, contanto, refletindo e lutando.

Revisão linguística e técnica por Maria Clara Pereira de Oliveira

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