SAÚDE MENTAL SE FAZ COM POVO: POR UM SUS ANTIMANICOMIAL! #h18
Por Núcleo de Mulheres, Núcleo de Saúde, Núcleo de Psicologia e Relações Étnico Raciais, do Conselho Regional de Psicologia — Subsede de Bauru
O dia 18 de maio é marcado pela Luta Antimanicomial, luta essa que tem Bauru como referência histórica. Em 1987 essa cidade sediava o II Congresso Nacional de Trabalhadores da Saúde Mental, neste congresso que reuniu trabalhadores, usuários e familiares construímos a Carta de Bauru que manifesta a Luta Antimanicomial enquanto movimento por uma transformação social ampla e verdadeira, reafirmando o manicômio como mais uma forma de opressão da sociedade.
É urgente, histórico e atual defender uma sociedade sem manicômios e livre de práticas que capturam a singularidade e subjetividade dos sujeitos. Como pontuado pelo manifesto de 1987 “O manicômio é expressão de uma estrutura, presente nos diversos mecanismos de opressão desse tipo de sociedade. A opressão nas fábricas, nas instituições de adolescentes, nos cárceres, a discriminação contra negros, homossexuais, índios, mulheres.”
Ecoando com o manifesto e apoiado nos valores que embasam a Declaração Universal dos Direitos Humanos, o Conselho Regional de Psicologia de São Paulo (CRP SP) manifesta-se em defesa da implementação de políticas públicas contrárias a qualquer forma de privação de liberdade e sustenta que o cuidado em saúde mental deve ser realizado no território a partir de uma rede de prevenção, proteção e tratamento digno e baseado no respeito à diferença, à singularidade e integridade de todas as pessoas. Muitos são os retrocessos e os ataques ao campo da Saúde Mental, estamos vivenciando momentos de intensa crise política, econômica e sanitária, assim como profundos ataques à Saúde Pública, gratuita e de qualidade, e mais um ano de sobrecarga, violência e adoecimento das mulheres.
É de conhecimento público o alto índice de casos de violência contra as mulheres no Brasil. Historicamente, tal violência incide em diferentes contextos através de violações dos direitos econômicos, sociais, políticos e culturais.
Compreendemos aqui que os estudos feministas e a construção da Reforma Psiquiátrica se conectam e se relacionam, pois ambos os movimentos nos colocam a refletir e enfrentar a dominação da burguesia, do patriarcado e do racismo sobre as mulheres. Tais processos de dominação forjados por meio de violências geram condições de sofrimento para as mulheres, os quais serão determinados pelas questões de classe social, étnico-raciais e de gênero e sexualidade. Nesse sentido, podemos entender que o sofrimento se expressa de forma diversa nas mulheres diversas, por dentre as convergências e divergências das questões sociais e de suas vivências.
Há uma tendência histórica de classificar o sofrimento das mulheres, mas não de refletir sobre a causalidade do sofrimento, e, consequentemente, de não buscar compreender e superar o quanto a lógica machista, sexista, patriarcal e racista e todas as violências estruturais que sustentam o capitalismo adoecem as mulheres.
Tais processos operam como se fossem fios cujas linhas, embora sejam únicas e sigam em sua direção, vão se costurando e na trama dos fios formam um mesmo tecido. Ainda nos valendo do exemplo da “tecelagem das tramas sociais”, é também no desfiar dos fios que vamos identificando todos esses processos sociais e históricos, assim como é no descortinar dos tecidos que podemos construir outras linhas.
Em resposta a todos esses elementos uma outra lógica que produz controle sobre as mulheres é a lógica manicomial em seus diferentes espaços. A cultura da violência, que aniquila a subjetividade das mulheres e viola os direitos humanos, é um dos pilares da manutenção da lógica manicomial. É por isso que erguemos a bandeira da Luta Antimanicomial.
É urgente olharmos para o sofrimento da mulher não apenas de forma singular, mas considerando suas dimensões sociais e estruturais. É importante compreendermos o cuidado também como algo coletivo, na tentativa de superarmos a lógica medicalizante e patologizante, que historicamente controlam os corpos das mulheres.
Dessa forma, o feminismo também deve estar engajado e articulado a outras demandas de luta. Como contra a violência racial que se reproduz em mulheres negras e indígenas, por meio de violência obstétrica, doméstica, sexual, de (des)pertença territorial e cultural, de trabalho, contra a violência do Estado, operante no genocídio dessas populações. Deve se engajar contra a violência reproduzida em pessoas LGBTQIA+, por meio da LGBTfobia, da patologização da diversidade de identidades e expressões sexuais e de gênero, ciente de que mulheres lésbicas, bissexuais e assexuais foram historicamente institucionalizadas em manicômios, tendo suas vivências, desejos e afetos violados e oprimidos.
É necessário que os movimentos de luta se articulem a favor das mulheres trans, que são violentadas e desautorizadas em seus corpos e expressões, inclusive no acesso a saúde pública de qualidade. Refletir acerca do estigma sobre mulheres com deficiência e mulheres que usam de serviços psicossociais (as ditas “loucas”), da estigmatização da deficiência e da loucura, e das tutelas que ocorrem a partir disso, das retiradas de autonomia, etc.
Urge, nesse sentido, construirmos estratégias coletivas de cuidado, como a ampliação e fortalecimento de nossas redes de apoio e das políticas públicas para as mulheres, pessoas negras, indígenas, LGBTQIA+ e pessoas com deficiência. São necessários espaços de prática política e de exercício de cidadania, mas também da possibilidade e potência de serem espaços de cuidado, identificações e vínculos solidários, coletivos e de partilha.
O CRP SP — Subsede de Bauru reafirma que a Psicologia, como ciência e profissão, deve reconhecer e enfrentar as diversas violências presentes cotidianamente na vida das mulheres da nossa sociedade. Pela abolição do modelo manicomial, defendemos a efetivação de políticas inclusivas, feministas, humanizadas e não discriminatórias!
Bauru, maio de 2021.
Conselho Regional de Psicologia — Subsede de Bauru
Núcleo de Mulheres, Núcleo de Saúde, Núcleo de Psicologia e Relações Étnico Raciais
Revisão linguística e técnica por Letícia Ramalho