A marcha das mulheres: a participação das escritoras e dos movimentos das mulheres no Senegal.

Aminata Dieye. Tradução: tania navarro swain

Revista Labrys
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9 min readJul 26, 2019

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Texto original

Resumo

Há mais de duas décadas as mulheres senegalesas investiram o espaço público para o reconhecimento de seus direitos. Enquanto ativista da defesa e da promoção dos direitos humanos, vou tentar, neste artigo, dar minha contribuição para sublinhar a luta das mulheres senegalesas para a emergência de uma sociedade justa e equitativa, baseada na igualdade dos sexos, segundo os princípios de igualdade que fundamentam os direitos fundamentais da pessoa. Abordar a marcha das mulheres para a igualdade lembra, com freqüência, as ações e atividades realizadas pelos movimentos das mulheres, sem levar em conta a contribuição das outras camadas da sociedade, que, através de outros meios de comunicação se engajam de forma aberta à defender os ideais de justiça e de paz. A contribuição das escritoras senegalesas é , neste caso, ilustrativa. Graças à sua mobilização, as mulheres conseguiram um avanço em certas questões. Entretanto, devem encarar certas ameaças que podem frear sua marcha para a igualdade.

Palavras-chave: escritoras, movimentos de mulheres, direitos das mulheres, igualdade, feminismo.

A contribuição das escritoras à marcha das mulheres

As escritoras fazem parte das primeiras gerações que, através dos quadros desenhados sobre a sociedade, mostraram, com palavras, os “males” sofridos pelas mulheres na sociedade senegalesa.

No Senegal, foi preciso esperar mais de 50 anos, após o primeiro romance As quatro vontades de Malick, publicado em 1920 por Mapathé Diagne) para que as mulheres tomassem a pena, a fim de transmitir seus pontos de vista sobre sua existência e pronunciar-se a respeito dos problemas que a sociedade engendra.

O atraso da presença das mulheres na literatura estaria ligado à sub-escolarização das meninas. Face à intensidade dos conflitos culturais durante a época colonial, as meninas eram raramente enviadas à escola por suas famílias. Estas viam na escola um meio de assujeitamento e de desvio das meninas dos valores tradicionais, em prol dos valores ocidentais.

As primeiras mulheres, que saíram da Escola Normal para Jovens Mulheres, contribuíram à formação de uma verdadeira literatura feminina no Senegal.

O manifesto de Awa Thiam « La parole aux négresses » (1978) mostrou que o momento havia chegado, para as mulheres, de sair do silencio e de expor “ seus males” através das “palavras”. Awa Thiam reivindica com brio a liberação das mulheres, como atestam as expressões que utiliza ao longo de sua obra: “agir”, “ extinguir”, “tomar a palavra”, “ encarar”, “ afirmar a recusa”, “revolta”, “ não se assujeitar”, etc.

Pela palavra das mulheres, Awa Thiam questiona o patriarcado que avilta as mulheres e lhes confere um papel secundário na sociedade: “ É sabido que , nas sociedades patriarcais, as mulheres não tem opinião. Sob uma poligamia institucionalizadas, quando não têm uma atividade remunerada, dedicam-se, de acordo com tal ou tal etnia, à agricultura `arroz, algodão, milho, amendoim´ e desempenham as tarefas domésticas. Os homens tem a supremacia do poder, as grandes decisões lhes cabem, sem que as mulheres sejam a elas associadas.” (Thiam, 1998 : 21–22)

Awa Thiam intervém e exige a reconsideração da condição das mulheres: “ As mulheres devem e podem tomar posição em relação à condição que lhes é atribuída. A renúncia, face aos problemas, pode parecer cômoda, mas, na realidade, é infrutífera.” (Thiam : 9).

Vinte anos após este vibrante requisitório para a igualdade e a consideração dos direitos das mulheres, o Senegal deu um passo considerável neste sentido, votando uma lei contra as mutilações genitais femininas em 1999.

Não se pode perder de vista, porém, que o manifesto de Awa Thiam havia levantado uma vaga de reprovação. Como todas as mulheres que tomam posição para denunciar a dominação masculina, Awa Thiam era considerada como uma mulher “ desenraizada”, guiada pelas idéias vindas do Ocidente.

Esta maneira de apresentar cruamente as coisas é levada ao extremo em Le Baobab Fou (1982) de Ken Bugul, que escolheu a forma autobiográfica para partilhar sua experiência: ela ousou dizer “eu”.

Sem embaraços, Ken Bugul descreve sua existência no mundo da prostituição, da homossexualidade, do álcool, da droga e suas vivencias sexuais. Ela prega a liberação das mulheres na sororidade, em lugar de priorizar a relação com os homens:

“ Eu descobria a amizade entre mulheres e pensava que as mulheres deveriam estar juntas. […] Elas ignoram que não há “ mulheres’ , mas apenas mulher. Elas deveriam se encontrar, se conhecer, se impregnar. Elas tem tanto a se dizer já que são todos semelhantes. Libertar-se não é se desligar para buscar a amizade, a companhia dos homens.

[…] Para poder estar bem com os outros, no caso, com os homens, é preciso, antes de mais nada que as mulheres estejam bem com elas mesmas, em suas peles e entre elas. É preciso que as mulheres se aceitem.” (Ken Bugul, 1982 :100)

A temática literária de escritoras, tais como Mariama Bâ , Aminata Maïga Kâ, Fatou Ndiaye Sow, Mame Younouss Dieng, entre outras, colocam em evidencia a representação dos direitos das mulheres, em suas obras. O essencial das reivindicações dos movimentos feministas pela igualdade dos sexos é retomado por estas autoras.

Os principais direitos que encontramos nestas obras dizem respeito, de forma geral : à sub-representação das mulheres nas instâncias decisórias, o direito à palavra, o direito à educação, a luta pela abolição das mutilações genitais femininas, a partilha das despesas do casal, a partilha das tarefas domésticas , o direito ao controle de seu corpo, a igualdade entre as meninas e os meninos, o direito ao reconhecimento do papel da mulher, a livre escolha do casamento.

Estes direitos, reivindicados pelas escritoras, no Senegal, não constituem, de fato, o fundamento de todas as reivindicações das mulheres no Senegal, através das Associações de Mulheres e das Organizações não governamentais de defesa dos direitos humanos?

A contribuição das escritoras para a melhoria da situação das mulheres senegalesas é real. Entretanto, este aspecto é silenciado pelas analistas das questões relacionadas às mulheres, que não levam em conta sua relevância.

Não houve ruptura entre as reivindicações das escritoras, que ao descrever a sociedade senegalesa, mostram a situação das mulheres e os movimentos de mulheres, que, por outros caminhos, denunciam as discriminações das quais são vítimas.

Os movimentos das mulheres e a marcha pela igualdade.

No Senegal, o envolvimento das mulheres para sair da marginalização foi feito através das associações e organizações femininas oriundas da elite intelectual. Com efeito, as primeiras foram egressas da Escola Normal das Jovens Mulheres de Rufisque ( é desta escola que saíram as primeiras mulheres escritoras do Senegal) e organizaram-se para criar estas associações.

Em seguida, as primeiras universitárias criaram as seções nacionais dos clubes que já existem no Ocidente. Trata-se do Zonta Club International e Club Soroptimist International. Entretanto, estas organizações orientavam-se, sobretudo, para atividades sociais. Apenas em 1974, com o nascimento da Amicale des Femmes Juristes que as questões relativas às mulheres foram colocadas em termos de direito.

Apesar do início da tomada de consciência da necessidade de ir além da ação social, como resposta à problemática ‘mulheres’,

“nenhuma destas associações profissionais colocou o problema da situação das mulheres em uma perspectiva de mudançaeconômico-social”. ( Sarr ,1998 : 21.

Foi preciso esperar o nascimento de organizações tais que Yewwu Yewwi1 Pour la Libération de la Femme et Femmes et Société para que os direitos das mulheres fossem vistos em termos de reivindicação e de questionamento do sistema patriarcal. Mesmo se estes movimentos, que se nomeavam feministas, foram criados pelas mulheres dos movimentos de esquerda, tiveram o mérito de contribuir para a reflexão e o lobbying em relação à situação e ao aperfeiçoamento do status jurídico das mulheres senegalesas.

O elitismo, no cerne destes movimentos, não permitiu que se levasse em conta as outras camadas da sociedade , o que os tornou mais frágeis. Apesar do excelente trabalho realizado por estes movimentos, não houve, entretanto, uma renovação de seus membros para assegurar a continuidade com as jovens gerações.

Com a conferencia africana sobre as mulheres em 1994 e, sobretudo, a de Beijing em 1995, os movimentos de mulheres começaram a introduzir em seus programas as questões críticas que freavam o desabrochar das mulheres. Graças à estas duas conferencias, as mulheres senegalesas organizaram-se em grupos estratégicos ou redes, para melhor se fazer ouvir pelos poderes públicos.

O coletivo das organizações que foi criado como prelúdio à Conferencia de Dakar e à de Beijing permitiu, pela primeira vez, o reagrupamento dos movimentos de mulheres e de defesa dos direitos humanos, na perspectiva de um projeto de sociedade preocupado com a equidade de gênero.

O pós-Beijing permitiu a emergência de redes estratégicas, de acordo com os setores a serem trabalhados. Trata-se, entre outros, do Comité de Lutte contre les violences faites aux femmes, o Réseau Siggil Jigéen2, le Conseil Sénégalais des femmes.

Ao lado destas iniciativas, muitas outras surgiram, em campos como do empresariado feminino, a economia, as mulheres trabalhadoras, etc.

O engajamento das mulheres para uma mudança positiva de seu status palmilhou muitos caminhos, apesar dos diferentes obstáculos ligados a considerações sociais, religiosas e culturais. Com efeito, o Senegal, de acordo com as disposições da Convenção para a eliminação de todas as formas de discriminação em relação às mulheres, adotou a lei n.99/05 de 29 de janeiro de 1999, relativa à penalização do assédio sexual, das mutilações genitais femininas, das violências conjugais, da pedofilia e ao reforço das sanções quanto ao estupro e o incesto. Esta lei constitui uma vitória do movimento das mulheres.

Quanto à política, os avanços são notáveis, mesmo se ainda há muito caminho a percorrer para se atingir um nível satisfatório de acesso às mulheres dos postos decisórios: o Senegal contava com 1 mulher parlamentar em 1960 e hoje possui 23 deputadas sobre 120; de apenas uma mulher prefeita em 1984, chega-se hoje a 6. A esperança surge quando uma mulher foi nomeada Primeira-Ministra em 2001, pela primeira vez na África. Mas esta nomeação durou apenas um ano e meio. Cada vez mais, as mulheres ocuparam postos de responsabilidade importantes, além das questões sociais no governo do antigo presidente e do novo, eleito em 2000: ministério do Comércio, da Comunicação, das Finanças, das Coletividades Locais, da Justiça.

A marcha das mulheres para a igualdade é uma realidade no Senegal. Entretanto, as mulheres enfrentam ainda as fortes pressões religiosas e às vezes mesmo, a falta de coragem política dos dirigentes, face ao lobby dos islâmicos, que tenta fazer-nos recuar.

Se o Senegal ratificou quase todas as Convenções e Tratados relativos à proteção da pessoa, isto não se traduz nas práticas. Com efeito, muitos esforços devem ser feitos para harmonizar os textos jurídicos nacionais com os instrumentos internacionais.

Referências

Bâ,Mariama(1982). Une Si Longue Lettre. Dakar, Les Nouvelles Editions Africaines.

Collectif des Associations Islamiques du Sénégal (2002). Projet de Code du Statut Personnel. Dakar

Dieng, Mame Younouss (1977). L’ombre de feu. Dakar, Nouvelles Editions Africaines.

Maïga-Ka, Aminata (1985). La Voie du salut. Paris, Présence Africaine.

Ministère de la Femme, de l’Enfant et de la Famille(1997). Plan d’Action National de la femme. Dakar

Ministère de la Famille, du développement social et de la Solidarité Nationale (2003). Evaluation Finale du Plan d’Action National de la femme.Dakar

Ken Bugul (1982). Le Baobab Fou. Dakar ,Les Nouvelles Editions Africaines.

Sarr Farou (1998). L’entrepreunariat au Sénégal. France, L’Harmattan

Thiam, Awa(1978). Parole aux Négresses

Biografia

Obtive um DEA em Lettres Modernes e um DEA em Sciences de l’Education. Trabalhei durante 10 anos no Rencontre africaine pour la défense des Droits de l’Homme(RADDHO) baseada no Senegal. Fui responsável pela Secretaria dos direitos da Mulher e da Criança antes de ocupar a Secretaria de Vigilância dos direitos humanos e o Alerta de Urgência. Realizei várias pesquisas de campos sobre a violação dos direitos humanos, sobre a questão das mulheres refugiadas e das pessoas migrantes.Em 2001 apresentei um relatório alternativo da RADDHO sobre os Direitos econômicos, sociais e culturais no Senegal, diante dos membros do Comitê dos Direitos econômicos, sociais e culturais. Sou membro do comitê de redação de um manual de formação e de uma série de pequenos livros elaborados pelo Programme Spécial pour l’Afrique d’Amnesty international/ Amsterdam et CODESRIA sobre : Suivi et la Documentation des Violations des Droits Humains en Afrique, as violências sexuais, a morte em cativeiro, as mortes políticas, o contexto das lutas armadas. Trabalhei ainda com Women Caucus for Gender Justice em New-York sobre o processo de nomeação de mulheres juízas na Corte Penal Internacional em 2001 e 2002. Sou uma das delegadas para a África da Organisation Mondiale contre la Torture (OMCT) baseada em Genebra desde 1998 e encarregada do Secrétariat pour les Réfugiés de l’Union Interafricaine pour les droits de l’Homme et des Peuples (UIDH) baseada em Ouagadougou (Burkina Faso).

[1] Yewwu ( em wolof) significa desoertar e Yewwi significa liberar

[2] Siggil significa alçar e jigéen : mulher

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