Sensibilidades feminina: poética e música em Dolores Duran.

Maria Izilda S. Matos

Revista Labrys
Revista Labrys
27 min readAug 7, 2019

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Texto original

Ai, a rua escura, o vento frio

Esta saudade, este vazio

Esta vontade de chorar…

Ai, esta amargura, esta agonia

(Ternura antiga, J. Ribamar e Dolores Duran)

Resumo

Saudades, espera, solidão, ternura, amor e dor são algumas das temáticas emergentes na poética musical de Dolores Duran: mulher negra, boemia, cantora e compositora particularmente sintonizada no seu tempo. Esses escritos procuram rastrear a trajetória de vida e discutir as sensibilidades emergentes através da produção musical de Dolores Duran, focalizando as experiências boemias em Copacabana nos anos 40 e 50 do século XX. As composições de Dolores Duran, marcadas pelo intimismo, caracterizaram-se em singelos e sensíveis versos que traduziam a angústia de seu tempo, a dor de amor, da solidão, da espera e da procura. A experiência amorosa aparece dotada de múltiplos sentidos, sedimentados sob o jugo da paixão, da ausência e do abandono, envolvida em remorso, na espera, quase sempre frustrada, de encontrar o amor verdadeiro.

Palavras-chave: saudade, intimismo, paixão, poética musical, Dolores Duran

I — Copacabana: a princesinha do mar

Na calçada preta e branca da praia, um vai-e-vem de príncipes, ladrões, banqueiros, pederastas, estrangeiros que puxam cachorros, mulheres de vida fácil ou difícil, vendedores de pipocas, milionários, … diplomatas, lésbicas, poetas…. Passam estômagos vazios e outros empanturrados, em lenta digestão.(Moraes, 1989)

Como destaca a crônica de Antonio Maria, nos anos 40 e 50 anos conviviam em Copacabana estrangeiros e nacionais, banqueiros milionários e bancários, políticos, assassinos, book-makers e cocainômanos, intelectuais e “cafajestes”, que compunham uma trama de relações multifacetadas e de infinitas conexões. Nas novas avenidas, em particular as da praia, passavam velozmente automóveis conversíveis, criava-se a sociabilidade na praia e definiam-se novas formas de relação entre os gêneros, estabelecidas legal e clandestinamente por detrás das múltiplas janelas dos prédios de apartamentos. Tendo como monumento desse território [1] o luxuoso Copacabana Palace — que ainda mantém viva a memória esses anos de > ouro — tendo como pano de fundo a praia, signo de beleza que caracteriza a cidade tanto no âmbito do país como no exterior.

Para tematizar o bairro de Copacabana dos anos 40 e 50 enfrenta-se os desafios de resgatar as ambiguidades e tensões de uma nova maneira de viver. Como o bairro mantinha um sentido tradicional de antigos bairros cariocas, permanecendo nele certa relação de convívio por meio de pequenas solidariedades, mas plenas de vigilância e controle. Também se pode perceber novas tendências nas formas de se ver o mundo (um individualismo privatista), de ser, de agir e de sentir, aliadas à impessoalidade de certas relações.

Assim, este efervescente território [2] rapidamente se distinguia da Copacabana de vinte anos antes, um areal procurado pelos que defendiam os milagres curativos do banho de mar [3] . O processo acelerado de transformação relaciona-se à própria ocupação urbana primeiramente vinculada a elite e posteriormente a uma expansão de imóveis mais acessíveis — quitinetes baratas — , atraindo para a Zona Sul outros setores sociais.

Enquanto certos habitantes dormiam, em algumas ruas, nos bares, restaurantes, boates, em salas pouco iluminadas e enfumaçadas, as tensões urbanas emergiam fragmentadas e diversificadas, tornando Copacabana um território para se trabalhar, divertir, viver as aventuras e desventuras da noite.

Durante a administração de Henrique Dodsworth (1937–45) na prefeitura do Rio de Janeiro, intervenções urbanas atingiram a área da boemia, particularmente na Lapa, colocando abaixo centenas de edifícios, abrindo parques e avenidas e ao mesmo tempo fechando os prostíbulos no Mangue (1942) e reprimindo a boemia malandra da Praça Onze.

Em nome dos bons costumes, o coronel Etchegoyen determinava que fossem presos malandros, prostitutas, boêmios, gigolôs, essas ações repressivas afastaram intelectuais e frequentadores da vida noturna da Lapa e do Centro. Em 1946, o presidente Dutra fechou os cassinos (seguindo os conselhos da então primeira-dama, D. Santinha, de que acabasse como aqueles “antros de pouca vergonha”), atingindo diretamente o meio artístico. A recuperação viria com a transferência da boêmia para as boates em Copacabana.(Lenharo, 1995)

Copacabana era um território boêmio diferente da Lapa e do Estácio. Boates como Vogue eram frequentadas pela nata da sociedade e da intelectualidade, o high-society, os cronistas da imprensa, a turma da música popular, paulistas ricos em férias e refúgio para solitários.

O cotidiano noturno de Copacabana era vivenciado dentro dos bares, restaurantes e boates. No Sorrento e no Maxim’s os artistas do rádio e do teatro davam o tom; pela primeira vez, elegiam como > ponto de encontro a “Zona “ Sul. Os restaurantes eram vários, como o Furna da Onça, Alpino, Bambu, Tasca, Taberna, OK, Bife de Ouro, Maxim’s, Alvear, Bolero, Cairo, Alcazar, Marrocos. Os restaurantes franceses eram considerados chiques, entre eles se destacavam: Bistrô, Cloche d’Or, French Can-Can, Cremaillére e Tout-en-bleu.

Quanto às boates — Vogue, Copa, Beguine, Little Club, Baccarat, Casablanca, Acapulco, Montecarlo, Bambú, Siroco, Mocambo — , algumas atraíram frequentadores fiéis e polidos, mantendo-se assim por longos períodos, e outras se degradaram em pouco tempo. Nelas pares enamorados espalhavam-se pelas mesas dos cantos, envoltos na atmosfera da música de piano ou de um cantar sussurrado, que evocavam o amor magoado e a dor-de-cotovelo.

Araci de Almeida, Linda Batista, Ângela Maria, Inesita Barroso cantavam no Vogue, a pequena casa do Barão von Stuckart (um austríaco mais melancólico do que festivo), onde se apresentava uma boa orquestra de negros americanos e o piano suave do Sacha, já de cigarro no canto da boca. Na década de 50, também eram boas opções O Beco das Garrafas [4] , o Little Club, o Baccará e o Club de Paris. As madrugadas no Beco eram intermináveis e envoltas em música, bebida, papo livre, ensaios, promessas, talentos circulando a procura de um apoio. A música brasileira era a atração principal nas boates, nos pontos de encontros informais da boemia e também nas rádios, ainda no auge da popularidade.

Para Dolores Duran a noite começava no Cangaceiro, onde, quando estava especialmente feliz, bebia um coquetel de frutas, mas quando sentia que “a solidão vai acabar comigo” tomava uísque puro. Lá batia um papo, soltava algumas piadas e depois ia cantar no Little Club, outra boate da área, do mesmo dono do Cangaceiro. No final da noite, antes de começar outro circuito, “duas cafiaspirinas, uma colher-de-açúcar em um cálice e meio de água” e estava pronta. Dificilmente dormia antes do início da manhã, cantava até tarde nas boates, prolongava por alguns locais e chegava a ir assistir a primeira missa do dia no Mosteiro de São Bento, sob o fundo musical dos cantos gregorianos.

Artista e boêmia, Dolores se movia com destreza nesse território que conhecia como ninguém, identificando com esse universo suas regras e formas de expressão que se diferenciavam das do dia, mas nem por isso eram marginais ou desvinculadas dos elementos fundantes da sociedade, como trabalho e família. Como interprete foi reconhecida nas rodas da boemia do Rio de Janeiro, suas canções captavam muito desta atmosfera enfumaçada da boemia carioca dos anos 50 e do samba-canção, de uma Copacabana de colunas sociais emergentes, de cronistas como Antonio Maria, Sérgio Porto e de figuras como Lúcio Rangel, Mariozinho de Oliveira, do Comandante Edu.

As composições de Dolores Duran ficaram na memória desse território como representação dos anos dourados de Copacabana, em que se vivenciava um clima de pós-guerra com crescente esperança de se redescobrir o ser humano, com um querer crescer e ultrapassar barreiras, num país assentado numa “tenra democracia” que duraria pouco. As pessoas começavam a libertar-se de tabus ancestrais e dependências existenciais. Com rara sensibilidade, ela conseguiu flagrar o mistério: sem esclarecê-lo, expressou de forma melódica o que todos sentiam.

Nos anos 50, a emergência do ser moderno generalizou-se por toda a sociedade e passou à esfera do domínio da vida cotidiana. A produção tanto material quanto cultural tinha como destino o mercado de massa, gerando novas necessidades, criando novos estilos de vida, comportamentos e hábitos, difundidos mais amplamente pelos meios de comunicação de massa.

A modernidade não implicou em uma padronização no estilo de vida, tanto nos seus aspectos materiais quanto nas escalas de valores, mas em uma veiculação de um modo de vida calcado em referenciais como funcionalidade, conforto, eficiência e racionalidade. Esse movimento de uma certa referência cultural em padrão mais universal tomou formas novas e singulares, dada à própria qualidade plural da cultura.

Em Copacabana as transformações culturais e experiências emergentes conviviam com antigas que se mantinham residuais (Willians, 1992), estabeleciam-se tendências e/ou vetores homogeneizadores que ao mesmo tempo comportava a resistência e/ou um inconformismo. Essas modificações pautaram-se por novas experiências cotidianas, a partir das quais se constituíram novas organizações do território, das quais originaram-se formas de homens e mulheres apreenderem os fenômenos que vivenciavam. Não que todos compulsoriamente tenham passado a viver de acordo com esses padrões e absorvido as perspectivas de vida que se constituíram em Copacabana, mas o desejo desse novo ideal de vida não deixou de ser sonhado, incorporado por uns e refutado por outros.

II- Trajetória melódica

É de manhã

Vem o sol, mas os pingos da chuva

Que ontem caiu

Ainda estão a brilhar,

Ainda estão a dançar…

(Estrada do sol, Dolores Duran e A. C. Jobim)

A trajetória de Dolores Duran como compositora negra deve ser vista em paralelo à sua carreira de cantora. Adiléia Silva da Rocha, nome de batismo de Dolores, nasceu em 1930, no bairro da carioca da Saúde. Filha de um sargento da Marinha viveu em Irajá e Pilares, convivendo com as dificuldades da vida suburbana, trabalhou como modista e balconista.

Não conseguiu concluir o curso primário, mas tornou-se uma das mais intuitivas poetisas da música popular brasileira. Com pouco estudo de canto, consagrou-se como cantora afinada e segura, intérprete sensível de vários gêneros musicais. Com pouquíssimo domínio de línguas, cantava em vários idiomas com pronúncia impecável. Sem nunca ter aprendido mais do que alguns poucos acordes no violão, suas composições apresentam uma melodia inspirada e envolvente.

Começou sua trajetória na música ainda menina, com seis anos, cantando em concursos e festas. Seguindo o caminho comum nos anos 30 e 40, período de ouro do rádio, participou com sucesso de programas de calouros, inclusive o dirigido por Ari Barroso, “Calouros em Desfile”, aos domingos na Rádio Tupi.

Logo depois concorreu no programa “Escada de Jacó” e passou a integrar sua equipe, apresentando-se em shows de bairros em cinemas, teatros e clubes. Participou ainda de vários outros programas de calouros.

Pressionada pelas dificuldades financeiras da família depois da morte do pai, Dolores começou aos 12 anos a trabalhar no radioteatro da Tupi, num programa de histórias infantis, o “Teatro da Tia Chiquinha”. Participou também de várias peças teatrais, na equipe infantil de Olavo Barros.

Depois de sua participação no concurso “À procura de uma cantora de boleros”, no programa Renato Murce, foi convidada a fazer um teste na boate Vogue, na época uma das mais sofisticadas do Rio. Aprovada, obteve um contrato de crooner. Assim, começava seu trabalho na noite e dessa forma surgia Dolores Duran [5] . A jovem profissional tinha apenas 16 anos — com a idade falsificada para poder trabalhar, mas com sensibilidade e afinação cantava vários gêneros em diferentes idiomas (espanhol, francês, inglês, italiano) e interpretava de forma muito particular as composições de Ismael Neto, Antonio Maria e Billy Blanco, já exibindo seu domínio vocal e improvisações jazzísticas [6], tipo scat singing.

Confirma sua maestria vocal a opinião da própria Ella Fitzgerald, uma expert no estilo, que durante sua passagem pelo Rio de Janeiro, nos anos 50, foi à boate Baccarat especialmente para ouvir Dolores, que interpretou My funny Valentine (Hodges e Hart), um clássico da música popular norte-americana, conta-se que Ella elogiou efusivamente a interpretação. Também Charles Aznavour expoente da canção francesa, que na época gozava de muito prestígio no Rio [7] , ao se apresentar na cidade, aplaudiu as interpretações de Dolores no Little Club.

Em 1955, a jovem Dolores foi apontada pela crônica especializada como a melhor crooner do Rio de Janeiro, trabalhava nas boates mais conhecidas — Vogue, Beguine, Little Club, Baccarat, Casablanca, Acapulco, Montecarlo — e também em São Paulo, no Esplanada; por várias vezes, se apresentou no Uruguai e na Argentina (1955 e 1956). Além de cantar, fazia exímias imitações de outros cantores nacionais e internacionais, reproduzindo com perfeição o timbre de voz de cada artista, inclusive dos homens.

Já plenamente reconhecida no circuito das boates, desejava conquistar outro público, a oportunidade apareceu quando César de Alencar a escutou no Vogue e a levou para a Rádio Nacional, onde se apresentava em seu programa sábados à noite, junto com os mais populares cantores do país. Ingressou também na caravana circense de Paulo Gracindo (1956) com a qual percorreu os subúrbios cariocas, alternando suas apresentações em boates de luxo, até fora do país, e o picadeiro.

- Verifiquei que, apesar de muito bem tratada pela imprensa, pelos cronistas, não apenas de rádio mas pelos cronistas em geral, na prática minha carreira não progredia. Decidi então dar-lhe um cunho bem popular. Troquei a boate pelo circo. Para falar com franqueza, gosto muito de trabalhar nos circos. Ao contrário do que muitos pensam, isso não desmerece ninguém, e, além de fazer nossas músicas mais conhecidas, nos dá a alegria do aplauso direto do público, um público muito carinhoso, constituído geralmente de pessoas que não têm tempo de comparecer aos auditórios.

Em 1958, com Nora Ney, Jorge Goulart, Conjunto Farroupilha e outros artistas, excursionou pela então União Soviética, mas em Moscou separou-se do grupo (que seguia para China) e foi para Paris, onde permaneceu por cerca de um mês, apresentando-se num pequeno bar frequentado por brasileiros.

Sua estréia em disco foi em 1952, gravando dois sambas para o Carnaval de 1953: Que bom será (Ailce Chaves, Salvador Miceli e Paulo Marquez) e Já não interessa (Domício Costa e Roberto Faissal). Em 1953, gravou Outono (Billy Blanco) e Lama (Paulo Marquez e Ailce Chaves). Os primeiros sucessos vieram dois anos depois, com o lançamento de Canção da volta (Antonio Maria e Ismael Neto) e Bom querer bem (Fernando Lobo). Em 1955 grava Praça Mauá (Billy Blanco) e Carioca (Antonio Maria e Ismael Neto).

Em 1956 consegue um dos seus maiores sucessos como cantora: Filha de Chico Brito (Chico Anísio). Atingindo o público pela simplicidade, cantou peças de vários outros compositores com uma voz afinada e uma interpretação intimista, bem ao estilo dos anos 40/50. Gravou de Billy Blanco A banca do distinto, Pano legal, Estatuto de boate, Viva meu samba. Também aparecem em sua discografia Coisas de mulher (Chico Baiano), Conversa de botequim (Noel Rosa e Vadico).

Ficou conhecida como intérprete de samba-canção, mas era cantora de múltiplas facetas, graças à versatilidade adquirida como crooner de orquestras, junto às quais cantava de tudo. Em seus discos aparecem desde sambas bem-humorados, baiões, até músicas estrangeiras (sua gravação de My funny Valentine foi incluída no seu último disco, um compacto duplo gravado ao vivo em São Paulo).

Apesar das recomendações médicas sobre suas fragilidades cardíacas, não refreou os excessos. Na manhã de 24 de outubro de 1959, Dolores Duran chegou a sua casa nas primeiras horas do dia, depois da uma apresentação no Little Club e uma esticada na noite. Conversou com a empregada, dizendo: “Não me acorde. Estou muito cansada. Vou dormir até morrer”, e foi para o quarto. À noite foi encontrada morta, vítima de um colapso cardíaco.

A morte prematura, aos 29 anos, rompia uma trajetória vivenciada intensamente, que conseguiu captar tanto o mundo à sua volta como apurar a sensibilidade do seu sentir. Embora cantasse na Rádio Nacional, não figurava entre as estrelas da emissora; era a chamada “promessa”, reconhecida por músicos, ouvintes refinados e conhecedores. Predominavam-lhe a afinação, a divisão e o sentido da interpretação. Sua discografia foi pequena — produzida num período de sete anos entre a primeira gravação e sua morte precoce -, mas suficiente para incluí-la entre os grandes intérpretes nacionais, marcando a memória de um momento da música popular brasileira.

III- Uma falsa mulher alegre

Dai-me, Senhor

Uma noite sem pensar

Dai-me, Senhor

Uma noite bem comum

Uma só noite em que

eu possa descansar…

(Noite de paz, Dolores Duran)

Os anos 30, 40 e 50 são conhecidos como a “era de ouro do rádio” no país, destacando-se as emissoras do Rio de Janeiro, entre elas a Nacional, que mantinham a sintonia do Brasil com a Capital Federal. O Rio, além de sede do governo, era identificado como a “capital do bom gosto”, um centro que ditava modas, padrões estéticos, de comportamento e de gênero considerados nacionalmente urbanos e modernos (AVANCINI, 1990).

Nas décadas de 40 e 50 as rádios se expandiram por todo o país e ocupavam um espaço cada vez maior na vida das pessoas, informando-as, divertindo-as e emocionando-as, somava-se a circulação nacional o disco, publicações especializadas, o cinema americano e nacional [8]. Nesses anos o rádio divulgava um samba que se diversificava rítmica e poeticamente e sofria a crescente influência da música estrangeira, em particular a americana [9] . Estabelecia-se e generalizava-se um mercado musical (fonográfico e radiofônico) [10] no qual o popular, em transformação, convivia com a música internacional na dinâmica do cotidiano citadino em ebulição.

A cadência mais tradicional do samba começou a ser substituída, segundo os novos gostos, pelo samba-canção, mais lento, abolerado e centrado na temática da dor-de-cotovelo [11]. O samba-canção — também referido como “samba de meio-de-ano” — dominava a noite como “música de boate”: cantado em pequenos ambientes, associava-se a um estilo intimista e à “cultura da fossa” [12] .

Nas casas noturnas, o samba-canção encontrou sua atmosfera ideal, sendo bem recebido por diferentes camadas urbanas, que se identificavam com o intimismo de suas letras, por outro lado esse estilo disfarçava uma atração pelo bolero, nem sempre considerado de bom-gosto. Ele expressou um momento de internacionalização do samba através do abandono dos instrumentos e o ritmo se adapta a orquestrações com predominância de cordas.

Nos anos 50, o samba-canção expandiu sua órbita de ação com as composições de Lupicínio Rodrigues, Herivelto Martins e, em parte, Antonio Maria, influenciadas pelos boleros latino-americanos. Atingia um público além da classe média urbana, cantando melodiosamente os dramas, flagrantes amorosos e fragmentos do cotidiano, mostrando toda uma crise de valores e costumes conservadores e denotando as mudanças das relações entre os gêneros (Matos, Maria Izilda, 1997).

Nesse contexto que ocorreu a ascensão de nomes como de Dolores Duran, cronista da fossa e poeta do cotidiano a dois. Negra, tinha rosto arredondado, os olhos sempre envoltos numa alegre melancolia, dentes da frente ligeiramente separados, corpo miúdo tendendo a engordar, raciocínio rápido, vivaz, com um jeito meigo e triste. Segundo amigos, alguns deles os cronistas mais respeitados da noite do Rio, como Sérgio Porto, Antonio Maria e Mister Eco, era “uma falsa mulher alegre”, cativante e aparentemente frágil, mas fortíssima em todos os sentidos.

Dolores Duran enveredava pelo scat singing [13] , que interpretava de forma intimista, contribuindo assim para uma virada significativa na forma de cantar e em certa medida prenunciando o estilo bossanovista. Alguns compositores se queixavam, com certo despeito, de que a interpretação de Dolores de suas músicas tornava-se uma verdadeira recomposição, ela as interpretava com muita personalidade, adequada às letras, e não aceitava a orientação de ninguém.

No campo da autoria, Dolores Duran e Maysa foram nomes de destaque da década de 50. Pode-se dizer que a partir delas ocorre uma mudança significativa no cenário musical, inicialmente com a própria abertura de espaço para as compositoras, e também por terem imprimido linguagem poética à dor de amor, tema central da suas composições, falando dos sentimentos e ressentimentos femininos.

Era um momento de virada em que já se ouviam os primeiros acordes da bossa-nova, num estilo intimista e coloquial, num modo reflexivo de expressar o amor e o desamor, revelando a angústia existencial do tempo com uma música urbana marcada pela “busca de identidade e a consciência do direito de poder e ter desejos individuais” (SANTA CRUZ, 1992), mantendo certa ambiguidade entre o desejo da mudança frente aos padrões instituídos do seu tempo e uma postura de submissão, espera e aceitação.

Dolores Duran compôs pouco mais de vinte sambas-canções, no estilo dor-de-cotovelo, mas mesmo com esse restrito repertório suas composições denotam uma sensibilidade que a aproxima do sublime. Inconfundível e marcante, sua poética musical assume a forma de apelo, prece.

Deus me perdoe pela amargura

Pelos teus olhos que não cansam de chorar

Deus me perdoe pela tristeza

Pelos perdões que eu ouvi se perdoar

E da ternura que eu não quis

Eu me pergunto

Que foi que eu fiz

O tempo todo eu só errei

Deus me perdoe pelo amor que eu não te dei

(Deus me perdoe)

Dai-me, Senhor

Uma noite sem pensar

Dai-me, Senhor

Uma noite bem comum

Uma só noite em que

eu possa descansar…

(Noite de paz)

Sua produção caracteriza-se pelo intimismo, cantando as verdades mais secretas dos corações apaixonados e desiludidos, produzindo versos singelos e sensíveis como os de Noite do meu bem:

Hoje eu quero a rosa mais linda que houver

e a primeira estrela que vier

para enfeitar a noite do meu bem

Suas composições não são homogêneas, pois muitas eram “sambas de minuto” — surgiam de momentos, num final de noite, numa mesa de boate, escritas com lápis de sobrancelha e um guardanapo ou maço de cigarros, como Fim de caso.

“ Fim de Caso” foi no Little Club, no Beco das Garrafas. Não tinha mais ninguém, quase 4 horas da manhã. Eu cantava em outra boate O Cangaceiro. Saí do Cangaceiro e passei no Little, que pertencia ao mesmo dono. Dolores estava sentada, violão no colo e uma folha de papel à frente. Como sempre, escrevendo com o lápis de sobrancelhas. Perguntei o que ela estava fazendo e ela só me respondeu: “Pera aí, pera aí, que eu estou terminando um negócio aqui”. E “nasceu” “Fim de caso.(Depoimento de Maísa- Gata Mansa)

Em Por causa de você, letra colocada sobre a música de Tom Jobim, com quem comporia ainda Se é por falta de adeus e Estrada do sol. Declarou Tom Jobim:

Ela era muito sensível, além de muito talentosa. Das três músicas que fizemos juntos, minha preferida é “Por causa de você”, cuja letra deveria ser feita pelo Vinícius de Morais. Só que Dolores, assim que ouviu a música, escreveu a letra em dois minutos e mandou um recado para o Vinícius, pedindo que a deixasse assim… (Tom Jobin).

Conta-se que Dolores ouviu Tom Jobim dedilhar uma linda melodia e logo se prontificou a fazer a letra. Encabulado, Tom não teve como dizer que Vinícius de Moraes já tinha escrito os versos, mas Dolores ficou sabendo e telefonou para Vinícius, que reconheceu que a letra dela era melhor. Assim nascia Por causa de você.

A inspiração poderia surgir num trajeto noturno, caso de Solidão, composta entre o Alto da Boa Vista e o Beco das Garrafas. Dolores, “acometida da canção”, parava o carro sob os postes de iluminação aqui e ali e foi compondo.

Ai, a solidão vai acabar comigo

Ai, eu já nem sei o que faço

O que digo

Vivendo na esperança de encontrar

Um dia um amor sem sofrimento

Vivendo para o sonho de esperar

Alguém que ponha fim ao meu tormento

Eu quero qualquer coisa verdadeira

Um amor, uma saudade, uma lágrima

Um amigo

Ai, a solidão vai acabar comigo

(Solidão, Dolores Duran)

Considerada a rainha do samba-canção, Dolores também é apontada como uma precursora da Bossa Nova, por seu estilo especial de cantar. Seu público mais fiel foi os amantes da noite, em particular intelectuais e cronistas, muitos dos quais eram seus amigos e admiradores. Esses intelectuais notívagos de Copacabana viviam um tempo que, além da perda de Francisco Alves e de Carmem Miranda, conhecia uma onda marcadamente “existencialista”, envolta em um certo pessimismo do viver e em um culto à dor, que tinha como refúgio os bares e boates pouco iluminados, as marcas da paixão na poesia e no samba-canção, tudo envolto no negro das roupas, dito ou cantado em sussurros, tendo em frente um copo de uísque e celebrando a culpa, o fracasso, os amores impossíveis e a solidão.

Em versos como “Aí, a solidão vai acabar comigo”, Dolores traduzia toda uma angústia de seu tempo que caracterizava a dor de amor, a procura de um amor idílico, com uma ânsia de perfeição nunca satisfeita, envolvida numa atmosfera de alegria triste e melancólica, dos olhos perdidos e marejados, de amores de contramão, paixões interditas ou impossíveis, constituindo um dos mais belos momentos da lírica musical brasileira.

Quem sou eu, letra musicada por Ribamar, seu parceiro mais constante, foi feita no avião, numa viagem de Moscou a Paris. Com ele também compôs Pela rua, Idéias erradas e Se eu tiver. Conta-se que escrevia compulsivamente, mas muito se perdeu. Alguns versos foram musicados postumamente por Ribamar, como Quem foi?, Que é que eu faço e Ternura antiga, premiada no Festival da Mais Linda Canção de Amor (1960). Carlos Lyra também musicou postumamente O negócio é amar.

Outras composições, contudo, foram cuidadosamente apuradas, é o caso de Noite do meu bem. Maísa Gata Mansa rememora que Dolores fez a música e um rascunho de letra em casa e durante alguns dias, fosse na rua ou na boate, parava pensativa para burilar os versos.

Dolores também musicava suas letras, produzindo composições nas quais se pode melhor caracterizar seu estilo, caso de Castigo (1958), Noite do meu bem (1959), Fim de caso e Solidão. A melodia era guardada de memória e depois cantarolada para alguém que escrevia a música na pauta. Seus versos têm a singeleza de uma conversa íntima com um texto francamente coloquial, onde confessa:

Eu desconfio que o nosso caso

Está na hora de acabar

Há um adeus em cada gesto, em cada olhar

Mas nós não temos é coragem de falar

(Fim de caso, Dolores Duran)

denuncia:

Olhe, você vai embora

Não me quer agora, promete voltar

Hoje, você faz pirraça

E até acha graça, se me vê chorar…

(Olhe o tempo passando, Dolores Duran e E. Borges)

ou declara:

Se é por falta de adeus

Vá-se embora desde já

Se é por falta de adeus não precisa mais ficar

Seus olhos vivem dizendo o que você teima

em querer esconder…

(Se é por falta de adeus, Dolores Duran e A. C. Jobim)

Sem recorrer à pieguice, comum em certos sambas-canções, suas composições, alimentando corações solitários e desiludidos, mostravam um sujeito amoroso além do bem e do mal ou do excesso de vida, o amor exacerbado, em geral mal-sucedido, com fortes imagens românticas, as rosas, a solidão da noite, o amante ingrato e infiel, a espera e a procura.

Versos nascidos de paixões, também relatadas na narrativa da canção, ganhavam passionalidade melódica, criando um campo sonoro propício às tensões ocasionadas pela desunião amorosa ou pelo sentimento de falta de um objeto de desejo. Assim varava as noites, curtindo a sua fossa, cantando as mágoas:

… Não me deixe chorar novamente

no tormento desta solidão

não me deixe ente todas as coisas

que foram tão nossas

dá-me a tua mão

Ai, leva-me contigo…

(Leva-me contigo, Dolores Duran),

As canções de Dolores Duran apresentaram uma multiplicidade de sentimentos femininos, mas procuraram expressar uma “essência feminina”, marcada pelo medo da solidão, a dor calada e aceita como castigo, carregada de culpa e marcada pela espera, ser terna, sincera, fiel, carinhosa, pura, doce e submissa. Cabe destacar, no entanto, que não há uma feminilidade única, um modelo feminino universal, válido para todos os tempos e lugares. A feminilidade difere segundo época, cultura, classe social, etnia, geração, e, portanto não é uma essência, mas uma representação — particularmente expressa na obra dessa compositora. Suas músicas refletem, cristalizam e divulgam um ideal de feminilidade, simultaneamente exprimindo e condicionando o “ser mulher” de sua época.

Assim, as canções refletem ambiguidades: mostram mulheres com certa iniciativa, decisão, racionalidade, liberdade, mas também trazem a expectativa da espera de um príncipe encantado e de uma relação amorosa idílica, devendo elas para tanto se manter puras, sinceras e caseiras, qualidades associadas à reserva e à decência na relação com o homem, enquanto este deve mostrar-se companheiro, assumindo compromisso com a casa e qualidades viris.

As músicas e os sentimentos nelas apontados não devem ser vistos isoladamente, mas pensá-los como elementos integrados ao contexto e em conexão com outras instâncias. Assim, os modos de comportamento e de sensibilidade produzidos e veiculados pelo samba-canção também se somavam a outros meios, como o cinema americano e nacional, as publicações as revistas de atualidades e também a televisão, que começava a ser difundida.

Não se trata da imposição de valores de “cima para baixo”, mas da generalização de padrões estéticos, de vida, de gênero e de sensibilidades, provocando paixões, reações, resistências, ora compartilhando valores culturais ora negando-os e repelindo-os.

Pode-se perceber que os padrões de comportamento femininos não são fechados, unívocos, pois articulam e combinam tipos e valores num mesmo contexto histórico, tentando construir um novo modelo de mulher, vinculado ao estilo moderno-urbano de viver Copacabana, ao lado da mulher recatada, vinculada ao casamento tradicional. Essas imagens aparecem construídas em respectivos estereótipos ou podem estar presentes num mesmo sujeito histórico.

IV- Desafiando a solidão na espera da paixão

Tem gente que ama/Que vive brigando

E depois que briga/Acaba voltando

Tem gente que canta/Por que está amando

Quem não tem amor/Leva a vida esperando

(O negócio é amar, Carlos Lyra e Dolores Duran)

A trajetória musical de Dolores Duran é um foco privilegiado para recuperar o cotidiano de um território — os anos dourados de Copacabana — em que as pessoas começavam a libertar-se de certos tabus, convivendo com as tensões entre valores tradicionais e modernos, numa dramaticidade não previamente definida, num dilema sobre até onde mudar ou permanecer.

As composições de Dolores Duran, marcadas pelo intimismo, caracterizaram-se em singelos e sensíveis versos que traduziam a angústia de seu tempo, a dor de amor, da solidão, da espera e da procura. A experiência amorosa aparece dotada de múltiplos sentidos, sedimentados sob o jugo da paixão, da ausência e do abandono, envolvida em remorso, na espera, quase sempre frustrada, de encontrar o amor verdadeiro.

As músicas de Dolores Duran, representações diretamente vinculadas ao seu momento histórico, mostram um sujeito apaixonado, uma mulher que já começava, ainda que de forma acanhada, a falar dos seus desejos e frustrações mais íntimos, mas simultaneamente ainda se mostrava arraigada a valores convencionais, plena de ambiguidade, dependência e medos — o maior dos quais, talvez, o da solidão. Tematiza-se uma mulher que sofre calada, se sente responsável e culpada pela dor alheia, uma dor que identifica simultaneamente a submissão e o enaltecimento femininos, uma dor que purifica, aperfeiçoa e eleva a mulher.

As canções apresentam contradições e ambiguidades, tensões e conflitos nas representações das relações entre os gêneros. Essas tensões encontram-se tramadas entre o velho e o novo, o arcaico e o moderno, o hierárquico e o igualitário. As mudanças nas relações entre os gêneros são visíveis, mas não são acompanhadas no mesmo ritmo e intensidade por todos. Ideais modernos são incorporados e os tradicionais se mantêm residualmente ativos, poderosos e simultaneamente asfixiantes e insuportáveis, contraditórios e irreconciliáveis com as novas experiências.

Preservam-se os padrões e elementos do modelo tradicional, e por outro há o desejo de um projeto comum, a ideia de amor romântico envolvido em paixão e desejo, da procura do prazer sexual emergem enquanto aspiração e possibilidade, sendo que as mulheres não são agentes passivos, mas participam diretamente desse processo, que é por elas reforçado e subjetivado. Na obra de Dolores, apesar das diferenças e hierarquias homens e mulheres não engendram necessariamente interesses antagônicos, que são, em parte, neutralizados pelo envolvimento amoroso: a paixão.

Referências

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Biografia

MARIA IZILDA SANTOS DE MATOS. Professora Titular da PUC/SP e da Universidade Mackenzie. Doutora em História pela USP. Pós doutorado Université Lumiere Lyon 2, Lyon/França(1997). Coordenadora do Núcleo de Estudos da Mulher, NEM-PUC-SP. Em 1994 recebeu o prêmio SESI-CNI de Teses Universitárias, com o trabalho Trama e Poder, em que estuda as indústrias paulistas, entre 1890–1934. Participou de vários outros projetos de pesquisa, é pesquisadora 1do CNPq, com bolsa produtividade de pesquisa. Atualmente é membro do Comitê do CNPq. Entre suas publicações nacionais e internacionais, destacam-se os livros:

  • Trama e Poder, RJ, 6 ed, Sette Letras, 2003. — Melodia e Sintonia: o masculino, o feminino e suas relações em Lupicínio Rodrigues. RJ, 2 a ed., Bertrand, 1999.- Dolores Duran: Experiências Boêmias em Copacabana nos anos 50. RJ, 2 ed. Bertrand Brasil, 2003.- Gênero em Debate, SP, EDUC, 1997.- O imaginário em debate. SP, 4 ed., Olho d’água, 2002.- A Cidade em debate. SP, 3 ed. Olho D’água, 2001.- Por uma história das mulheres, SP, 2 ed. EDUSC, 2003. — Meu lar é o botequim: alcoolismo e masculinidade, SP, 2 ed. Nacional, 2003.- Cotidiano e Cultura, SP, EDUSC, 2002. — O Corpo feminino em debate, SP, Ed. UNESP, 2003. — “Por Mãos Femininas: trabalho e resistência das mulheres brasileiras (1890–1920)”. In: NASH, M. e PERROT, M. Historia de las Mujeres. Madrid: Taurus, 1993. Vol.5,pp.709–717. — “Antonio Maria: boemia, música e crônicas”. In: Do samba canção à tropicália, org. Paulo Sérgio Duarte e Santuza Naves, RJ, FAPERJ/Relume Dumará, 2003.27 páginas

[1] Esse território, com suas imagens e sons, traz representações fragmentárias como suporte de memórias diferentes, contrastadas, múltiplas, que delineiam cenários em constante movimento, permitindo perceber que o espaço não é uma categoria abstrata e universal, nem algo “congelado”, bloqueado, tal como na imagem de uma carta cartográfica ou como simples palco da história, mas sim um elemento constitutivo da trama histórica, de seus fluxos e de sua dinâmica em permanente ação, interação, transformação e reconstrução, emergente na memória coletiva e presente nas pedras e luzes da cidade.

[2] O espaço urbano, no seu processo de transformação, é simultaneamente registro e agente histórico. Nesse sentido, deve-se destacar a noção de territorialidade, identificando o espaço enquanto experiência individual e coletiva, onde a rua, a praça, a praia, o bairro, os percursos estão plenos de lembranças, experiências e memórias. Espaços que, além de sua existência material, são também codificados num sistema de representação que deve ser focalizado pelo pesquisador, num trabalho de investigação sobre os múltiplos processos de territorialização,desterritorialização e reterritorialização. (ROLNIK, 1992).

[3] No século XIX, o banho de mar não era hábito social difuso, mas terapia recomendada para tratamento de saúde. Fotos dos finais do século XIX já exibem banhistas, e há uma gradativa ampliação da ida à praia como forma de lazer e prática esportiva, mas somente depois da década de 40 é que a freqüência às praias se generaliza, sendo elas representadas enquanto espaço de beleza, sensualidade e prazer. (LUZ, 1994).

[4] O Beco das Garrafas era assim chamado porque altas horas da madrugada, lutando insones contra o barulho dos boêmios, os moradores dos edifícios jogavam pelas janelas garrafas e outros objetos.

[5] — O pseudônimo Dolores Duran flagra uma época em que o domínio era das versões musicais, onde os boleros controlavam certos segmentos do mercado. (Tribuna da Imprensa, 8–9/10/94).

[6] — A expansão do mercado fonográfico internacional, juntamente com a popularização do cinema americano, acentuou a presença da música norte-americana no Brasil, de modo que as versões faziam sucesso. O gosto latino também se expandia, e o bolero teve seus anos de ouro no final dos anos 40 e início dos 50, preparando o culto ao samba-canção.

[7] Não só a canção francesa, mas tudo que era francês era considerado de bom gosto, tanto na moda (usar o preto, “cheirando a extrato francês, vestindo ao jeito francês, comendo e dançando e fumando em francês” — Antonio Maria), como na filosofia (existencialismo), idéias políticas etc.

[8] O rádio se expandiu devido à sua agilidade e ao barateamento > progressivo do aparelho. As rádios funcionaram como um veículo integrado ao contexto histórico, utilizando e difundindo padrões de comportamento. O rádio-jornal, a novela, os programas de auditório envolviam cotidianamente a todos.

[9] A partir da década de 40 os circuitos internacionais da música interligavam cada vez mais intensamente às diferentes partes do mundo. Todo um mercado se abre particularmente à penetração da música internacional, em particular a norte-americana e com ela o jazz.(PARANHOS, 1990).

[10] O primeiro samba gravado foi Pelo telefone, em 1917. As emissoras regulares de rádio instalaram-se desde 1923, mas somente a partir de 1932 (Decreto-lei n. 21.111, de 01/03/32), com a introdução de anunciantes, é que passam a abrir espaço para a música popular. Nesse momento também se generaliza a prática do registro da autoria individual. Assim, o rádio promovia as gravações, incentivando o processo de industrialização do disco com objetivo de mercado. A divulgação ficava a cargo dos programas de maior audiência e de toda uma série de revistas especializadas (como A Modinha e Jornal das Modinhas, que transcreviam as letras das músicas, além da Revista do Rádio). (TOTA, 1980).

[11] Nos últimos anos da década de 30, o carnaval foi institucionalizado e passou a fazer parte das manifestações culturais promovidas pelo Estado, descendo o morro para a avenida. Paralelamente, ocorreu a expansão da radiofonia, que juntamente com a institucionalização do carnaval levou o samba à pauta de consumo. O samba, antes exclusividade do carnaval, passou também a ser produzido e difundido com sucesso no meio do ano, explicitando tendências claras: samba apologético nacionalista, como os de Lamartine Babo e Ari Barroso; samba da malandragem de Wilson Batista e Geraldo Pereira; samba-canção de conteúdo afetivo-apaixonado, lírico-amoroso ou de dor-de-cotovelo, onde se destacam Lupicínio Rodrigues e Dolores Duran. (MATOS, Claudia, 1982). Embora Dolores seja mais diretamente identificada pela sua ampla produção de sambas “dor-de-cotovelo”, praticou outras modalidades, caso de Minha toada.

[12] As trajetórias amorosas eram vistas com muitas barreiras (econômicas, sociais, raciais, religiosas, etárias, legais e morais) e geravam um sentimento de impossibilidade, do amor e de si mesmo. Talvez daí tenha nascido a expressão “curtir uma fossa”: ficar num buraco sonhando com o que se supunha impossível.

[13] Nesse período aperfeiçoam-se as técnicas de gravações, as antigas gravações cheias de chuviscos da Casa Edson e a exigência de um potencial vogal elevado (os cantores deveriam gritar durante o processo) são abandonadas e as novidades técnicas criam condições de transformação nas interpretações. O canto mais sussurrado, próprio para cantar o samba-canção de dor de cotovelo, encontra facilitações nessa nova conjuntura discográfica.

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