Ensaio sobre os passos tímidos do choro.

élis flores.
3 min readJun 12, 2024

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Sinto que necessito da morte mais do que a própria vida. Ouvindo um Mac Miller chapado de cocaína, cantando em um velho jazz seus delírios azuis. Tenho me lembrando de todas as vezes que fiz linhas equatoriais no meu pulso porque não sabia que podia tecer um vestido de flores para a minha mãe. Sou munida de intimismo, absorta demais na efemeridade da minha consciência, no etéreo dos corpos, tentando conciliar as drogas que uso. Sinto que em toda minha vida eu fui destinada a cair. De quando em quando, me alegro com a possibilidade de ficar triste. A solidão que sinto na coluna vertebral é capaz de encher foliões. Nagasaki no olho esquerdo, Hiroshima no olho direito, quando se é fitado pelo meu olhar, você finalmente entende a beleza de fugir. Lembrando de algumas amigas que tornei amantes, de como elas faziam de tudo para destruir um patriarcado que fez ter medo de Ser. O seu cabelo loiro iluminando todos os narcisos. Discursando com minha psicanalista sobre a beleza. Ela me perguntava como eu me sentia. Um dia me irritei. Respondi que estava vermelha. Depois me perguntou sobre o que significava sentir isso. Eu disse: Vermelho é só o azul disfarçado com mais urgência. A calma que sinto quando entendo que entenderei tudo, mas antes tenho que sangrar. Egum me mandou recados sobre a nova guerra. Você se deitou na cama. Eu te transformei em mulher e você me transformou em mulher. Você foi a
guerrilha urbana que desenfreou na ditadura sangrada mais violenta do meu íntimo. Me apaixonei pela minha agressora porque achei que era a única coisa que me cabia. Não conseguia imaginar minha vida fora das unhas sujas dela. Fiz do amor cálculo matemático errado, porque usei a carência ao invés da caixa torácica. As águas de Iemanjá me molham. Sinto o vento balançar. O mar sendo minha eterna pergunta. Tento achar sentido em seu azul e só encontrei o branco da areia. Enquanto fumo um cigarro, percebo o tom absurdista que desempenho sendo tabagista. Acendo um, apago, desejo outro, acaba, fico horas sem fumar, enlouqueço, volto a fumar, sinto prazer, e o ciclo se repete, intensamente e de forma enjoada. Mas fico aliviada sabendo que, ao menos, Sísifo é feliz. Olho os olhos da morte intensamente enquanto ela se despe. A busca pela explosão me fez esquecer do quão satisfeita eu me sentia nos momentos em que não existia ápice. A busca por estar alta. Tento entender a delicadeza de um Picasso. E percebo o silêncio que emana. E a calmaria. Sofrer sozinha é a forma mais sutil de berrar além da voz. Construir algo tão grande quanto aquilo que te agride. Agredir o agressor se traduz como a perpetuação da violência. Os castelos que construí sob as ruínas que me deixastes. Sou tudo aquilo que derramo.

Ouvindo As canções que você fez pra mim de Bethânia.

Pranto.

Sinto tristeza. Choro. Choro bem pianinho. Sem histeria. Choro delicadamente. Morro delicadamente. Sinto delicadamente. Minha analista me disse:

Isso tudo que me entregou é pulsão de morte.

E eu pensei:

Azul em espanhol também significa encantado.

nu azul, picasso.

Élis Flores;

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élis flores.

o espaço de tempo que existe entre o nascimento e a morte | @elisgalcosta on instagram