Adoção: os filhos do coração

ASCM MPES
Revista +MP
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6 min readFeb 25, 2019

O verbo transitivo direto “adotar” pode assumir diversos significados, de acordo com o dicionário da língua portuguesa. Mas, quando se fala na adoção de um filho, particulariza-se o termo para um significado especial: um ato de amor, acolhimento e afeto. Até o início do século XX, a adoção não era regulamentada como um processo jurídico. Apenas casais que não possuíam filhos biológicos podiam adotar. De lá para cá, a história da adoção no país passou por mudanças e o Espírito Santo, atualmente, tornou-se referência no Cadastro Nacional de Adoção (CNA).

Em 1916, a adoção foi tratada pela primeira vez no Código Civil Brasileiro. A partir daí, três outras leis foram aprovadas, incluindo o decreto nº. 6.697 de 1979, que estabeleceu o Código Brasileiro de Menores. Antes, as crianças eram deixadas em uma roda de madeira presa nas janelas ou muros dos conventos, chamada de “Roda dos Expostos”. Apesar dessa prática ainda existir em alguns países, no Brasil a última roda foi fechada em 1950.

Em 1990, os processos de adoção foram facilitados com a aprovação do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). O documento determinou, como principal objetivo do processo de adoção, que se assegure o bem-estar das crianças, conferindo aos adotados os mesmos direitos dos filhos naturais.

Mesmo com os avanços nos trâmites legais, o processo de adoção encontra barreiras que impedem um maior dinamismo. O número de pretendentes e adotandos nas filas resulta em uma conta que não fecha. De acordo com dados atualizados diariamente do CNA, no Espírito Santo existem 927 pessoas interessadas em adotar e 213 crianças cadastradas esperando para encontrar uma nova família.

O primeiro fator que alimenta esse problema corresponde ao perfil idealizado pela maioria dos interessados. Enquanto 78% dos pretendentes procura por crianças com até cinco anos de idade, mais de 73% dos adotandos estão na faixa de seis a dezesseis anos. Dados do Cadastro apontam que 64% dos pretendentes não aceitam adotar indivíduos com irmãos e 58% das crianças cadastradas estão nessa condição. Quanto mais restrito o perfil exigido pelo interessado, mais tempo permanece na fila de espera.

Outro obstáculo que inviabiliza equalizar a situação é a duração dos processos de adoção. A promotora de Justiça do Ministério Público do Estado do Espírito Santo (MPES) Ana Lúcia Ivanesciuc de Vallim Braga Hipólito avaliou que a burocracia existente é uma dificuldade. “A demora do trâmite das ações judiciais faz com que as crianças prolonguem o período no acolhimento”, afirmou a promotora de Justiça.

Mas existem avanços para se comemorar. O Sistema de Informação e Gerência da Adoção (SIGA) do Poder Judiciário do Espírito Santo foi implantado em 2008 e permite o acompanhamento efetivo da situação de cada criança ou adolescente acolhido, em guarda concedida à família extensa ou nos estágios de convivência para fins de adoção.

A agilidade e a flexibilidade do sistema atraíram a atenção do coordenador nacional da informática do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e desembargador do Tribunal de Justiça do Paraná (TJPR), Marcelo Gobbo Dalla Dea. O SIGA/ES será utilizado como modelo para o desenvolvimento do novo Cadastro Nacional de Adoção eserá trabalhado na evolução do sistema para que seja replicado pelo país.

- Como funciona o processo de adoção?

No Brasil, o procedimento de adoção deve ser iniciado por meio de um processo prévio de habilitação dos postulantes à adoção, que deverão apresentar alguns documentos e demonstrar que estão aptos a ingressar na lista de pretendentes. O interessado deve possuir no mínimo 18 anos de idade e não importa o estado civil.

É necessário entrar com uma petição, preparada por um advogado particular ou defensor público, junto à Vara da Infância e Juventude. Será realizada uma avaliação psicossocial, que julgará a capacidade e o preparo dos postulantes para o exercício da paternidade ou maternidade. Após a conclusão positiva da avaliação, será necessário que os pretendentes participem de um curso oferecido pela Justiça da Infância e Juventude, com duração de dois meses.

Após a efetivação dessas etapas, o Ministério Público começa a atuar. “O MP vai formular um parecer favorável, ou não, à habilitação dos postulantes. Em seguida, o juiz decidirá pela inscrição desses pretendentes”, explicou a promotora de Justiça. Caso seja aprovado, o candidato passa a integrar o Cadastro Nacional de Adoção e a inscrição permanece válida por dois anos.

O processo é realizado com duas filas paralelas que funcionam de forma independente uma da outra, mas com o objetivo de se unirem em algum momento. A primeira fila é composta por crianças e adolescente aptos para adoção, após a família biológica perder o direito sobre elas, em um processo chamado Destituição do Pátrio Poder. Na outra fila estão os pretendentes à adoção, que podem ser uma única pessoa, um casal, uma família já com filhos biológicos ou adotivos, entre outros arranjos familiares.

Os candidatos serão convocados de acordo com a ordem cronológica de habilitação e a disponibilidade de crianças ou adolescentes adotáveis. Nessa etapa, é iniciado o estágio de convivência. Após o trâmite legal do processo judicial e o parecer psicossocial, em relação ao bem-estar dos adotandos com os adotantes, será proferida a decisão do Ministério Público e a sentença que determinará a adoção.

- Quando o Ministério Público intervém?

De acordo com a promotora de Justiça Ana Lúcia Ivanesciuc de Vallim Braga Hipólito, o Ministério Público atua como fiscal da ordem jurídica e sempre velará pelo melhor interesse da criança e do adolescente. “A intervenção ocorre nos processos prévios de habilitação dos pretendentes para adoção, bem como nos processos de adoção de crianças e dos adolescentes. O Ministério Público é quem constata se a adoção será benéfica para a criança ou para o adolescente, assim como procura pela regularidade formal do andamento processual da ação de adoção”, disse a promotora de Justiça.

José Antônio Deolindo e Marta Schneider

O casal Marta Schneider Deolindo e José Antônio Deolindo, da cidade de Domingos Martins, está no 2º na fila de adoção da comarca, e em 164º no Estado.. Eles relatam que não têm enfrentado muita dificuldade no procedimento , apesar do deslocamento para as entrevistas, realizadas no município de Cariacica… Em junho de 2018, o casal renovou a inscrição e teve de reiniciar as etapas do processo. Marta e José, também optaram por alterar o perfil da criança, de 2 à 8 anos, com a possibilidade de um irmão ou irmã. “Adotar é um ato que pensamos há seis anos. Como na família existem muitos casos, sempre tivemos vontade e, agora, também aceitamos crianças de outros Estados”, adiantou Marta.

É muito comum confundir os conceitos de guarda, adoção e tutela. As três ações são formas de acolhimento de um menor desamparado, mas elas possuem diferenças que não podem ser confundidas. Ao contrário da adoção, nos processos de guarda e tutela a criança ou o adolescente não adquire o status de filho, além da possibilidade de serem revogados.

Define-se por tutela quando uma pessoa fica encarregada de cuidar e administrar os bens de um menor, fora do pátrio poder. A guarda é o acolhimento de uma criança ou adolescente. O detentor fica responsável pela assistência ao indivíduo em todos os aspectos.

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