28.04.2021

Mormaço Editorial
Revista Mormaço
Published in
3 min readFeb 1, 2024
Prisac Nicolae

nas últimas semanas, meio que por necessidade, espalhei papéis e canetas pelos principais cômodos da casa. assim, quando as frases e ideias aparecem, muitas vezes quando o desconforto transborda, tenho onde anotá-las antes que se percam na volatilidade das horas. nas ruas e rodovias, todo carro branco me dá gatilho; assim, é constante o fluxo de ideias melancólicas e poéticas em potencial. se existe algo evidentemente positivo nesse estado merda no qual me encontro, é que pela primeira vez minha produção espontânea se manifesta dentro de uma proposta consciente, um “projeto literário”. se eu tivesse essa escolha para fazer: ficar sem escrever e estar contigo, ou escrever pra caralho, vender livros e não ter você comigo, sem pestanejar eu escolheria a primeira opção. eu sei que uma coisa não exclui a outra, e que eu preciso romper esse padrão de só escrever quando estou emocionalmente destruído, na bosta, como agora. você mesma me disse isso recentemente e eu concordo em absoluto. assim como tenho pensando na origem dessa visão romântica da vida, dessa colonização do meu imaginário por uma mentalidade europeia, burguesa, cristã. como você me disse num áudio dias atrás, talvez as mulheres que me abandonaram antes de você nem tenham sido tão cuzonas assim, e a grande questão seja eu. nessa ideia, quase todo poema que eu escrevi até hoje é puro mimimi narcisista travestido de autoficção ou qualquer outro discurso ou desculpa literária.

o lance é que no meu atual momento lidar com toda essa matéria-prima que venho produzindo é dolorido. por mais que na segunda etapa deste livro eu esteja disposto a construir uma poética mais solar, sua essência é noturna, lunar, romântica. eu passo os dias dopado de haxixe e um floral amazônico de emergência, composto por quatro plantas: flor-de-pau amarela, japana roxa, benguê e jagube. a indicação inicial eram cinco gotas em meio litro de água por dia. hoje estou tomando cerca de 20, divididas em doses de 3 a 7 gotas, a depender da minha demanda emocional naquele momento. o haxixe me embriaga, me dá um cansaço, que, associado à culpa, me permite e obriga a cumprir os afazeres do dia a dia: acordar, trabalhar, semana sim semana não organizar o ritmo das crianças com escola, alimentação e afeto, pois eles também me fazem superar os dias com um mínimo de integridade funcional.

Baga Defente é pai, poeta e artista-etc. que utiliza as poéticas do acaso em diversos suportes e linguagens para criar obras experimentais explorando as fronteiras e interseções entre registro, memória e ficção. Em quinze anos de trajetória, teve seus trabalhos — em especial, obras audiovisuais — premiados e exibidos em mais de 10 países. É fundador, diretor e editor no NADA∴Studio Criativo, um híbrido de ateliê multimídia e micro-editora independente sediado desde 2012 em Botucatu/SP, que possui em seu catálogo cerca de 25 publicações, incluindo “Pra estancar essa sangria”, livro de poemas de sua autoria publicado em 2021 através da Lei Aldir Blanc. “Teu sangue vermelho na minha parede verde”, seu primeiro romance, contemplado pelo Proac Editais, acaba de ser lançado.

*a Revista Mormaço é uma publicação independente, coletiva e voluntária da Mormaço Editorial. você pode nos apoiar dando palminhas nos textos e compartilhando-os. nos encontre nas redes sociais com o @mormacoeditorial.

--

--

Mormaço Editorial
Revista Mormaço

Editora e revista independente de Literatura Brasileira Contemporânea.