A língua que tava aqui o gato comeu e ele morreu de curioso

Masso Otembra
Revista Mormaço
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2 min readAug 29, 2022
Milhares de olhos pintados numa tela de madeira, com fundo desgastado, de modo que os olhos tornam-se um padrão e se tornam indistintos um do outro.
Ellen Gallagher. Doll’s eyes. (1992)

Creim. Janja tem um gosto pra roupa que é uma coisa horrível. Vem, eu cuido você.

Vou mudar e botar essa saia verde aqui, tu acha linda?

Também acho linda. Na escola hoje foi legal. A merenda foi boa e Rizero não foi. Aí hoje eu tive paz. Porque Rizero apronta muito, e muito comigo, ninguém nem descansa.

Tu sabia que a cigarra passa mil anos embaixo da terra até virar adulta e poder sair? É por isso que ela grita tanto. Grita, grita, em até! Morrer. Foi a pró que contou. Sabia?

Eu aposto que tu não sabia, tu nem vai pra escola. Janja não te leva… Ela disse que já é grande já. E menina grande não pode mais gostar dessas coisas. Tadinha de você.

Eu prometo que eu te levava. Mas só que não posso. Um dia quando eu for grande, bem grande, igual uma cigarra, eu vou poder gritar e gritar em até morrer, aí eu te levo.

Amanhã, não, amanhã eu ainda vou tá embaixo da terra. Daqui mil anos eu prometo. Prometo que te levo. Até na escola em minha mochila, até pra minha casa quando eu for grande. Essa blusa rosa é mais bonita, né? Vou trocar.

Tá bem mais linda agora. Pena que Janja perdeu seu pente. É porque era muito miudinho, ela falou pra mim.

Se alguém perguntar quem mudou sua roupa tu não pode contar, viu? Janja vai virar um bicho de novo! Painho, então, nem quero ver!

Eu sei, eu também acho que tu fica triste na estante de Janja e queria morar era junto de meus brinquedos. Mas ó. Um dia…

Xiu! Silêncio, silêncio, fica quieta, fica quieta, que ele chegou, meu pai chegou.

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