ainda não era verão
adoraria te contar sobre a história de quando atravessei o continente sozinha
e estive cercada por paisagens diferentes de tudo que já vi
você não faz ideia
de quanta liberdade havia
no caminho, aprendi diferentes maneiras de ler e de escrever um poema
enquanto o mundo ao meu redor ia, aos poucos, sendo abandonado
aconteceu de os lugares não terem a mesma vivacidade, o mesmo sentido
não havia mais qualquer sensação de casa
e eu levava no corpo o cansaço de alguém que estava sempre a chegar de uma longa viagem
costumava contemplar a imensidão do céu
e a beleza que fica no mundo depois que o sol se põe
não compreendia mais as palavras
entendia, unicamente, os sentimentos
e traduzia os segredos do mar apenas com um jeito diferente de
olhar
eu tentava apenas esquecer
mas o mesmo vento estrangeiro soprava em todos os lugares,
o mesmo perfume em todas as cidades
o rio desaguava. e no meu colo estavam todas as fotografias de infância
do tempo que você ainda gostava de
sorrir comigo
todos esses anos eu não sabia que, no fundo,
o que eu sentia era saudade
do acalanto das palavras boas, da reza no ouvido,
do brilho que havia no olhar..
jeito estranho de perceber a passagem do tempo. tudo mudou de repente, se transformando em pequenos gestos preenchidos de ausência.
enquanto isso, me satisfaço ao lembrar
das manhãs que surgiam atrás dos nossos quintais
quando ainda éramos pequenos,
inocentes
infinitos
ao olhar para o passado, entendi que
quase tudo se perdeu
menos o amor, a vontade de ter permanecido
e quando finalmente encontrei conforto no tempo
percebi que não estava no mar a minha casa
nem nas outras tantas varandas ao redor do mundo
mas sim em todos esses lugares que, por medo de perder, escolhi deixar para trás
eu sei que por aí serei sempre uma menina
e que você ainda guarda todos os meus versos e livros empoeirados
com palavras que carregam, junto a mim, a inocência das recordações.