amor “de boca”
é como se o esforço constante fosse todo pra construir a própria queda.
pro que ando precisada sumi muito pouco.
pela boca dos outros o caminho é outro
e o meu amor
é outro.
e eu
sigo sendo mera sentença de impressões fajutas
verbo sem sujeito prévio.
mas como pode
se eu quem pratiquei o feito
valho mais que o fato?
boca dos outros é portal pra abismo
- ainda mais pras línguas injustas.
mesmo portal que enlaça e expurga
por essa via o que se sabe
ou é mistério
ou tradição.
esses outros
distantes tão próximos
sem roupas
nus como a mais santa boca
que desata pecados e desfaz injúrias
mas sobre o amor não se atrevem.
contentam-se com o mais profundo do trivial.
com aquilo que tem perfil pra ilustrar uma capa
que de tão ilusória consegue se bastar.
e o conteúdo já não cabe à boca
(dos outros)
que é a de todo mundo
então de ninguém
já que “você não é todo mundo”.
eu
palavra
filha da boca
e mal-dita pelo amor
não me rendo
crio espaço
pra que possa transitar
sem tamanho aprisionamento
sustentando o meu mudo dizer.
e nem é todo mundo que acredita
que o amor sozinho não segura as pontas.
nem os fluidos
nem as pernas.
tanta gente vive da merreca de arrepio
em parte do corpo calejada.
se povoar pede tempo
e trabalho
então se vive aperreada
correndo contra o buraco cavado
com o suor das próprias e míseras mãos.
os olhos pesam
mas comemoram
o fogo vivo
que carbura
mas também acende
os gritos
de protesto e loucura
sacanagem e poesia
dos amores bem-ditos.