Antes de todos os séculos
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quando tudo fora é só barulho barulho barulho muitas vozes querendo ser mais do que a noite e eu não posso mais eu não consigo escutar o sol por trás dos arbustos eu fico procurando procurando não sei o que, é uma sensação estranha de que preciso me encontrar, preciso me enxergar, preciso de algo. de algo. de algo que me dê paz, de algo que dê sentido, de algo que estanque a sangria, de algo que possa parar o mundo, de algo que detenha o abismo.
o que será?
o que será isso que busco e por que será que busco tanto sem fim sem nem saber que estou a buscar?
sempre a buscar, parece que nunca estou realmente aqui, nunca sou sincera no simples demorar-se das pequenas coisas do agora, sem pergunta,
sem resposta.
sem busca.
parece que sou incapaz.
E hoje eu enxerguei isso. eu sentei e naturalmente meditei quando o corpo já não aguentaria nada mais e ficou tão claro: é para dentro, o sentido é para dentro. é para dentro que você deve olhar. nada mais importa.
fora são ficções. ficções reais, mas ficções.
histórias que criamos a partir do que escutamos lá dentro. ou não escutamos. nunca entendemos que estamos buscando algo em nós mesmos.
estamos buscando a nós mesmos.
o que buscamos lá fora diz muito sobre o fracasso em encontrar a nós mesmos.
em um nível abissal.
buscamos fora o que em nós é placa tectônica.
e hoje essa outra eu que sou o eu que sempre busco
me disse assim
que ela é a poesia
que ela é essa parte de mim que é morte
ela disse bem assim
eu ouvia ela dizendo em primeira pessoa pra mim
eu sou essa parte tua que não se move
essa parte tua que é morte
eu sou a poesia que buscas
eu sou o silêncio quando tudo rui
eu sou aquilo que você busca em seu desespero
em sua falta de bússola, olha pra fora
olha em volta
olha pra lua
olha pro sol
sim, tudo é você
mas tudo nasce de dentro de você
o cansaço e o desencanto te trouxeram até mim
o erro, a desilusão, as fantasias
após longas estradas, você retornou pra casa
eu sou a tua morada
a tua gota fundamental
eu que sopro as vozes
eu que te faço se sentir estranha
tão estranha
com certeza de que algo está faltando
até você estar a buscar
buscando muito
pensando
às vezes só reflexiva
às vezes pesarosa,
desesperada
com um buraco sem fim
e quando deixa de esperar
eu apareço
apareço porque sempre estou aqui
eu não tenho nome
eu não tenho idade
eu já vi tudo que havia pra ver
e também nada vi
porque não há olhos para mim
porque não há forma em mim
indiferenciada
imersa
no oceano de consciência
assim me expresso em você
sou tuas lágrimas
tua gargalhada
teu coração que quase explode de amor
quando observa os seres, a natureza
sou você
sou o outro
sou ele,
ela
somos
no subterrâneo todos somos esse mesmo ser
nascido antes de todos os séculos
mas o caminho do corpo é de fora pra dentro
dentro do próprio corpo habita o templo
o corpo é o oráculo do tempo
o segredo profundo
pelo qual sempre esperamos
sempre buscamos
e ele nos espera
esperando nossa aceitação
espera um voto de confiança
aguarda o vazio e o silêncio
para assim nos fundirmos
mente-corpo-espírito
filosofia viva
em existência plena
finita-infinita
livre-presa
em vida-morte-vida
na história de toda
natureza.