artista!
— Esse fala sobre lamento. São duas pessoas, ou uma pessoa só que se abraça e continua, mesmo lamentando… e… segue a vida e… tá esse lamento dentro dele, agarrado a ele, por isso que tem dois troncos, um abraçando e o outro caminhando, tanto que ele só tem uma mão que afaga e a outra se mantém normal.
— É sobre expectativa.
— Expectativa? pode ser… caso você veja isso como algo que carrega.
— E esse aqui?
— Eu tirei de uma música. Ele é sobre tempo, talvez porque tinha muitas dúvidas sobre o tempo, a eternidade… e aí o tempo é uma coisa que sempre vi como algo que subjuga a gente. A gente tá preso ao tempo. A gente tá condicionado a ele. Esse é sobre isso que prende e conta o tempo. A música na verdade não tem nada a ver com ele, só me veio a imagem mesmo.
— Sobre o futuro então?
— Interessante. Esse também é sobre o tempo. O tempo isolado. A cabeça é um objeto e a ampulheta é isso que marca o tempo, só que ela sempre precisa ser virada, ela esgota. Precisa ser virada pra medir de novo. É sobre como me senti isolado, dentro de casa, sem ter muito com o que gastar o tempo. Meus dias eram como essa areia que escorre. Não tenho muito o que falar sobre esse.
— É sobre espera, não?
— Faz sentido. Foi um período muito autorreflexivo, tinha muito o que pensar. É como um homem descendo o porão da alma pra vasculhar o próprio ser. É um quarto isolado pra guardar tranqueira, né? mas eu nunca tive uma casa com porão, isso é coisa de filme, é artifício pra falar sobre coisas que são deixadas paradas, pra visitar de novo e explorar um lugar que é ocupado por coisas que são só suas e que nem sempre estão no seu cotidiano. É mais ou menos isso.
— Fala desse aqui.
— Esse aqui?
— Não, o outro.
— Esse é antigo. É sobre desejo, acho, só que ele é possessivo. Na verdade, apaga essa porra, falei nada com nada, não faz sentido nenhum isso aqui.
— Apaguei. Pode falar.
— O que eu falo? cada vez eu bagunço mais. Esse é antigo, já fiz vários trabalhos com ele, fala sobre desejo. Só que… ele se perde, né? É um peixe predador, de profundidade, a vida dele é isso. Todos os animais são assim no final das contas, uso ele mais por causa da antena com esse feixe de luz que atrai a presa. É um abissal. Ele quer se alimentar.
— Atrai pra ele o desejo dele.
— Tô prolixo hoje.
— Isso é utopia…
— O abissal?
— Seus desenhos são todos sobre utopia, não é assim que acontece.
— Com você.
— Você é um abissal?
— De certa forma é a maneira que encontrei de ilustrar isso tudo, né.
— Distopia então?
— Não, claro que não, isso é real.
— Você não é um abissal, caralho.
— Mas eu não tenho que ser um abissal, porra, na essência todos somos um abissal.
— Eu corto os palavrões da gravação?
— Não, deixa aí.
— Coisa de artista, né?
— Nunca mais fale isso.
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