artista!

Rafaela Maria
Revista Mormaço
Published in
3 min readFeb 1, 2023
foto: Rafaela Maria

— Esse fala sobre lamento. São duas pessoas, ou uma pessoa só que se abraça e continua, mesmo lamentando… e… segue a vida e… tá esse lamento dentro dele, agarrado a ele, por isso que tem dois troncos, um abraçando e o outro caminhando, tanto que ele só tem uma mão que afaga e a outra se mantém normal.

— É sobre expectativa.

— Expectativa? pode ser… caso você veja isso como algo que carrega.

— E esse aqui?

— Eu tirei de uma música. Ele é sobre tempo, talvez porque tinha muitas dúvidas sobre o tempo, a eternidade… e aí o tempo é uma coisa que sempre vi como algo que subjuga a gente. A gente tá preso ao tempo. A gente tá condicionado a ele. Esse é sobre isso que prende e conta o tempo. A música na verdade não tem nada a ver com ele, só me veio a imagem mesmo.

— Sobre o futuro então?

— Interessante. Esse também é sobre o tempo. O tempo isolado. A cabeça é um objeto e a ampulheta é isso que marca o tempo, só que ela sempre precisa ser virada, ela esgota. Precisa ser virada pra medir de novo. É sobre como me senti isolado, dentro de casa, sem ter muito com o que gastar o tempo. Meus dias eram como essa areia que escorre. Não tenho muito o que falar sobre esse.

— É sobre espera, não?

— Faz sentido. Foi um período muito autorreflexivo, tinha muito o que pensar. É como um homem descendo o porão da alma pra vasculhar o próprio ser. É um quarto isolado pra guardar tranqueira, né? mas eu nunca tive uma casa com porão, isso é coisa de filme, é artifício pra falar sobre coisas que são deixadas paradas, pra visitar de novo e explorar um lugar que é ocupado por coisas que são só suas e que nem sempre estão no seu cotidiano. É mais ou menos isso.

— Fala desse aqui.

— Esse aqui?

— Não, o outro.

— Esse é antigo. É sobre desejo, acho, só que ele é possessivo. Na verdade, apaga essa porra, falei nada com nada, não faz sentido nenhum isso aqui.

— Apaguei. Pode falar.

— O que eu falo? cada vez eu bagunço mais. Esse é antigo, já fiz vários trabalhos com ele, fala sobre desejo. Só que… ele se perde, né? É um peixe predador, de profundidade, a vida dele é isso. Todos os animais são assim no final das contas, uso ele mais por causa da antena com esse feixe de luz que atrai a presa. É um abissal. Ele quer se alimentar.

— Atrai pra ele o desejo dele.

— Tô prolixo hoje.

— Isso é utopia…

— O abissal?

— Seus desenhos são todos sobre utopia, não é assim que acontece.

— Com você.

— Você é um abissal?

— De certa forma é a maneira que encontrei de ilustrar isso tudo, né.

— Distopia então?

— Não, claro que não, isso é real.

— Você não é um abissal, caralho.

— Mas eu não tenho que ser um abissal, porra, na essência todos somos um abissal.

— Eu corto os palavrões da gravação?

— Não, deixa aí.

— Coisa de artista, né?

— Nunca mais fale isso.

*a Revista Mormaço é uma publicação independente, coletiva e voluntária da Mormaço Editorial. você pode nos apoiar dando palminhas nos textos e compartilhando-os. nos encontre nas redes sociais com o @mormacoeditorial.

--

--

Rafaela Maria
Revista Mormaço

Estudante de Letras pela Universidade de Brasília, designer gráfica, fotógrafa e escritora de contos, poesia e críticas literárias. ig: @rafaelamria