as palavras nascem no leste e se põem no oeste

danna dantas
Revista Mormaço
Published in
2 min readApr 1, 2021
Ilustração de Sarah Constantino

o dia amanheceu tão bonito que me paralisou.
nunca vi um dia como este.

as pessoas costumam usar a expressão “não existem palavras” quando querem descrever acontecimentos extraordinários
acontece que, dizer que está sem palavras significa ignorar a maior iluminação de todas:
as palavras estão todas aí.

em alguma manhã, tão fora do comum quanto esta, haverá uma campainha tocando e uma porta se abrindo em seguida
— bom dia, as palavras se encontram?
— oi! sim, as palavras estão em casa, elas nunca saíram daqui.

as palavras encontram-se.

as palavras existem!
fico a ponto de gritar isso na janela, comentar com as vizinhas, telefonar para minhas tias, enviar cartas que apenas por serem feitas, já comprovam a revelação.
as palavras existem.

em 1979, Cátia de França avisou que há vinte palavras girando ao redor do sol, nos mostrando que as manhãs só existem se falarmos sobre elas.

neste mesmo ano, neste mesmo disco que continha o aviso, houve uma canção com o nome da minha avó. não é assombroso que tenhamos uma palavra pela qual todos nos encontram?
tão assombroso quanto o invento de mecanismos bastante revolucionários, como as portas e as campainhas.

as palavras existem para que as mais velhas contem sobre os dias mais ensolarados, para que possamos desejá-los muito. afinal, não queremos o que não sabemos que existe.

aqui, há uma manhã que clareou doendo na parte de trás dos meus olhos
há um corpo atravessado pela palavra calor.

e em todas essas existências extraordinárias
o sol a pino.

--

--

danna dantas
Revista Mormaço

nascer no interior me levou a escrever sobre os lados de dentro