Batata

Tatá Noel
Revista Mormaço
Published in
2 min readMay 2, 2024
Łukasz Rawa

Tinha especialidade em gracejos ocultos. Folheados em mil camadas de significado, suas palavras soavam cheias de mistério, e ele se satisfazia com isso. Era inútil tentar entender. O que queria dizer era somente para ele. Suas frases se encaixavam bem em qualquer contexto, bastando apenas escolher onde colocá-las. As palavras dele eram como batata. Pegam gosto de qualquer caldo, se adequam ao tempero. Com seus amplos significados e possibilidades de interpretação, conseguiam comunicar o que a pessoa quisesse ouvir. Batata. Ele era como batata… e batatas são muito resilientes. Cozida, salteada, ao vapor, frita, purê, ao murro, assada, fervida, defumada. Porra! Até crua ela vira vodka, caralho. A batata consegue ser um alimento perfeito pra acompanhar quase tudo: peixe, carne, frango, legumes, molho, grãos, tudo. Consegue ser podre também. Quando fica ruim, uma é suficiente para gerar cheiro de defunto. Ou seja, batata é bom demais… quando boa. Era assim, também, conversar com ele. Não importava meu estado emocional, ele continuava sendo uma batata. Estivesse eu doce, azeda, amarga, salgada ou ácida, tinha batata ao lado. Batata boa. Não é tão fácil chegar a ter uma batata em casa que fique podre. É preciso se esforçar muito para chegar a esse ponto. Eu espero que minha batata não apodreça.

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