Bilhete só de ida
Já não lembro quantas vezes vi esse trem partir. O mesmo apito, a mesma fumaça, o mesmo adeus. Já não lembro ou não quero mais lembrar, não sei. O vagão parte, você dentro dele e minha vida segue no sentido contrário.
Já não lembro quantos litros de água fervi na chaleira vermelha esperando teu retorno. Minha xícara cheia de saudades, esfriando na mesa. A tua, guardada no armário de louças. Abro a caixa de chá, pego o ultimo sachê. No pote, o açúcar mascavo não adoça mais como antes e endurece.
Já não lembro quantas vezes fui até a estação, mãos úmidas, coração acelerado a espera do vagão que traria você de volta. Esta tarde fui novamente e aguardei. Vi passar tantos trens que meu joelho, cansado, foi ao chão. Me vi em prece sem querer, prostrada diante de um homem, de terno escuro e atônito, que me estendeu a mão ajudando-me a ficar de pé.
Voltei para casa com os joelhos doendo e o coração sangrando. No fogão a chaleira apita e acorda a solidão. O chá desce quente, amargo e trava minha língua que já não sabe pronunciar teu nome.
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