cactos e tomateiros

Laize Ricarte
Revista Mormaço
Published in
2 min readNov 23, 2020
O Profissional, 1994

deixamos de lado tudo aquilo que nos importa quando encontramos algo que promete nos preencher. claro que esse algo não preencherá coisa alguma. a sensação de estiagem vem logo após a cheia. do outro lado está quem faz a falta, quem não precisa estar ali. aquele que crê não precisar se sentir preenchido por nada mas que no fundo quer se sentir preenchido por tudo. o mundo não lhe parece o suficiente, uma presença não lhe enche o estômago. é preciso mais.

sinto que estou sempre ocupando algum desses espaços, sou a faltante ou sou a que sente a falta. vivo num certo dilema porque sei que não posso deixar de sentir falta, ninguém pode. a falta existe, é necessário aprender a lidar com ela. tentarei preenchê-la com tudo que me é apresentado? tentarei amansá-la com a ilusão de que será preenchida um dia? ou irei sucumbir à eterna falta de ser faltante?

o que seria isso? aceitar que nada irá preencher esse vazio e sair apreciando as coisas pelo que elas são e não pelo que elas tem a me oferecer? tá, parece bom. mas como fazer isso? como não estabelecer expectativas, reducionismos e presunções ao outro? sinto que estamos sempre tratando os outros como meros objetos de seja lá qual for nosso desejo.

mas talvez o problema não more aí. afinal, objetificar é preciso. talvez o problema esteja em como nos relacionamos com os objetos. queremos que seja nosso, tomando em nossas mãos e presumindo medos e anseios quando sai de nosso controle. ou tratamos como qualquer coisa, largamos nos cantos, usamos quando bem entendemos e descartamos quando já não nos interessa mais. talvez devêssemos tratar os outros não como objetos, nem como sujeitos, mas sim como plantas. regando, olhando, cuidando e deixando ser. mas quem sou eu para dizer? já matei três cactos e dois tomateiros.

--

--