carneirinhos

Juliana cajives
Revista Mormaço
Published in
2 min readOct 17, 2021

sem nunca ter lido, ia à praia
nunca havia lido
livro, caderno, rótulo, placa ou letreiro
era alfabetizada, mas parou pra não seguir caminho de leitura

chegou à praia e avistou o loteamento

- a cadeira com sombreiro tá quinze
- bote ali na areia alta

sentou-se na cadeira para sentir com a bunda a trama
sem ler a marca e nem o cardápio que o rapaz entregou
sem ler, entrou no mar e saiu do mar vazio

apanhou os objetos e virou de costas pra maré
sem ler
sem ler, atravessou a rua e não foi atropelada
pegou o ônibus e não errou o caminho

ao sentar em volta de uma mesa cheia de gente
nada lia
quando atendeu em telemarketing, não lia
não lia quando foi buscar o filho na escola
e nem nas festas de aniversário

os olhos não oscilavam de um lado para o outro
nunca
pois não lia quando estava entre duas pessoas
não lia enquanto almoçava perto de gente engraçada

sem ler, cantarolou os versos da música mais amada dentro do shopping, andando sozinha
sem ler, conversou com o vento enquanto espionava os carros do estacionamento
sem qualquer literatura, acumulou coisas como quem tem biblioteca
e não lendo, jamais sofreu de vista cansada
que não fosse a salgada das linhas brancas do mar

--

--