Confissões de um poeta de primeira viagem

Victor Sampaio
Revista Mormaço
Published in
5 min readNov 29, 2021
Cena do espetáculo Uma Noite na Lua — Dir: João Falcão

Um homem em cima de um palco.
Pensando.

(João Falcão)

A primeira vez que me lembro de expor algo que escrevi foi aos 8 anos de idade. O ano era 2006 e eu estava na escola. A professora havia nos pedido que escrevêssemos um poema, algo sobre a natureza ou coisa assim, e depois de ler o meu e me pedir para ler em voz alta, fez com que eu saísse pelas outras salas do corredor para que eu pudesse lê-lo para as demais turmas. Não consigo me lembrar direito do que escrevi, mas já naquela época eu tinha um gosto por rimar palavras. O que me lembro é da excitação de sentir ali, pela primeira vez, essa mistura de sentimentos quase estranhos, uma espécie de conflituosidade viciante entre a euforia e o medo da exposição.

Voltei a ter as mesmas sensações somente alguns anos depois, aos 12 ou 13 anos, não lembro ao certo, também na escola. Acho que estudávamos poesia em literatura e eu gostava de uma garota, Duda. Então passei a escrever poemas de amor para ela, sempre em 4 estrofes de 4 versos, onde eu rimava beijo com desejo e outras coisas assim. E, por algum tempo, a professora, Bruna, sempre encorajadora, reservava os minutos finais de suas aulas para que eu lesse algo do que eu havia escrito para a turma — e, claro, para Duda. Confesso que toda aquela cena não funcionou muito bem e ela seguiu sem me dar muita bola, mas sentir a boca secar e a perna tremer enquanto caminhava do fundo para a frente da sala diante da turma atenta certamente me ensinou alguma coisa.

Com a desilusão amorosa, passei a guardar os meus poemas em um pequeno caderno preto de capa dura e mostrá-los apenas vez ou outra, a poucos amigos que também tinham algum gosto pela escrita. E assim o tempo foi passando, o caderno preto foi ficando sem folhas até que, em 2016, depois de ter levado um pé na bunda, decidi criar uma página no Instagram onde eu pudesse postar algumas das coisas que escrevia, dessa vez sob um pseudônimo. Acho que eu pensava que assim eu conseguiria me proteger do medo. Engano meu. Mas a página até que se manteve por um tempo legal, com alguns bons seguidores, até chegar em meados de 2018, quando eu comecei a diminuir drasticamente o fluxo de postagens até decretar o seu fim, no final do ano, justamente por entender que a poesia que eu queria escrever falava mais para mim do que para aquele público. A poesia que começava a se apresentar para mim tinha a minha língua, era arisca e não parecia mais aceitar traduções.

Digo tudo isso para chegar no fatídico 25 de agosto de 2020, dia em que recebi de Malu (ou Maria Luiza Machado) o convite para fazer parte do quadro de escritores e escritoras desta Revista, que na ocasião estava para ser lançada. Lembro de, extasiado, ter sentido aquele mesmo misto de euforia e medo que havia decidido largar quase 2 anos atrás. A ideia de voltar a ser lido… Estaria a minha poesia pronta para falar mais do que somente a mim?

Pedi a Malu que me desse um dia para pensar. A tal da periodicidade sempre foi um calo no meu pé. Mas ela parecia ter as palavras certas, e eu — numa vibe meio masoquista, talvez — parecia ter fome daqueles sentimentos conflituosos. Meia hora depois, já estava aceitado o banquete. E foi assim que numa quarta feira, 2 de setembro de 2020, com um pequeno poema sem título que eu havia escrito há pouco, eu publiquei pela primeira vez aqui na Mormaço.

Pouco mais de um ano e 15 poemas depois, quase que mês a mês encarando o conflito nos olhos, começo a chegar a — mais — algumas considerações sobre esse ofício, sem me propor a ditar regra, apenas falando daqui deste canto por onde enxergo as coisas. Tenho chegado ao pensamento, por exemplo, de que para escrever poesia é fundamental que se leia poesia e mantenha os sentidos abertos. Mas para expô-la, tão importante quanto isso, talvez seja ter um tanto de coragem. O que chega a ser curioso, afinal, eu nunca me senti uma pessoa corajosa. É bastante comum sentir a sola dos meus pés suarem e ter as pernas paralisadas pelo medo não me soa estranho, mas, como numa balança de dois pratos, pode ser que a minha coragem venha das mãos.

Se mais novo eu gostava de me aventurar nas rimas de amor e seus clichês, hoje a coisa funciona mais ou menos assim: eu passo algum tempo cutucando aquela coisa, que ainda não sei bem o que é, mas já a sinto no peito. Como um caroço. Aos poucos, o peito vai ficando apertado e o caroço parece gostar de espaço. Ele começa a se mover e eu vou sentindo-o transpassar pelo meu corpo inteiro.
Pela nuca, pescoço e barriga.
Minha cintura, pernas e tronco.
Meus braços, mãos
e meus dedos.
E vou tentando me conectar com ele, tentando ouvir o que esse caroço tem a me dizer. Até que, às vezes — na menor parte das vezes, é verdade —, eu consigo colocar ele para fora em forma de palavras. Aí eu venho aqui no Medium, ou no bloco de notas mais próximo, e as planto. Então eu passo dias, semanas ou até meses cuidando delas, regando, dando atenção e um tanto de sol, até que pareçam estar prontas.

Acho que estar pronta nem sempre é estar preparada.

E assim, como uma mãe-pássaro que ensina ao filho a dádiva do voo, eu devo clicar em “add to publication”, revisar, confirmar e então “story submitted to Revista Mormaço”. Pronto.

Minhas palavras, aquelas palavras que eu plantei, cuidei e dei de comer e que antes de serem palavras eram um caroço transcorrendo meu peito, agora estão aí e tudo o que posso fazer é vê-las voar. O sistema do Medium me informa que o editor vai revisar minha “story” e um email vai me avisar se ele foi ou não aceito.

Agora é isso.

Eu mal coloquei meu caroço no mundo e ele já deve passar pela primeira provação. Depois, será lançado e, inevitavelmente, passará por tantas mais. Daqui, só me resta torcer para que ele resista. Quanto a mim, confesso que poucas vezes consigo.

Mas, no fim das contas — e novamente falo por mim — , acho que é mais ou menos assim mesmo que a coisa toda deve ser. Eu escrevo porque faz sentido. Me ajuda a me entender. E lanço ao mundo porque acho que escritor também é meio livro: estou aberto e gosto mesmo é de ser folheado.

--

--

Victor Sampaio
Revista Mormaço

poeta y ator, pelo caminho | transformando inquietações em palavras inquietas