descanse em paz
I
disse que quero contar
mas só quero cantar
o meu silêncio.
mais agitado que os meus órgãos
que há tempos não comprovo a existência
nem pelas mais duras máquinas.
opto pelas abertas.
não que seja caso de nenhuma fobia numerada nos manuais
é que
o que me salva é sempre o céu
e, portanto, suas cores
já que o céu nada mais é do que um desfile destas
nas quais os meus olhos bailam
convencendo de que vale a pena esperar
— viva —
o amanhã.
infinito intocável
que intercede no mundo de corpos
e juízos
perdidos.
só não e nunca parados.
tanto que em movimento
escrevo o meu lamento
batido feito chão de terra
que é firme;
mas racha.
II
e hoje, quem tem lugar no céu?
diante das tantas partículas poluídas que o preenchem
e o tornam quase-sólido;
um céu de pedra com nuvens mastigadas
mas tão azul
colorido pelo peso da revolta escondida.
céu encharcado de si
negando ser o transporte dos sonhos
alegando que a passagem encareceu.
mas tanto o empurram, os teimosos
que de cá foi noticiado
o esburacamento do céu!
no auge da greve
nenhuma migalha sequer
nada do sonho nosso de cada dia
e divulgado então o diagnóstico:
céu desnutrido.
justo aquele que fora acontecimento na vida de tantas.
transe e trânsito
entre
gozos e lamentos
suspiros e soluços
agora mero refém
da própria infinitude.
*a Revista Mormaço é uma publicação independente, coletiva e voluntária da Mormaço Editorial. você pode nos apoiar dando palminhas nos textos e compartilhando-os. nos encontre nas redes sociais com o @mormacoeditorial.