diagnóstico

Laize Ricarte
Revista Mormaço
Published in
2 min readOct 12, 2020
Amores Expressos, 1994

eu vou morrer. não sei bem a hora, nem o dia, nem o mês, mas eu vou morrer. acho que será algo do estômago, ou do fígado, quem sabe do intestino que dizem ser o segundo cérebro. cérebro esse que anda de mal à pior. não vou tomar remédios, nem fazer tratamento, muito menos contar para meus entes queridos o que se passa. quero ir de surpresa para os outros. mas não para mim, pois eu sei que vou morrer.

o primeiro passo é aceitar, pensar como eu quero que seja o enterro. nada de cremação, todo jovem tirado a diferente quer ser cremado e jogado no mar de alguma praia que só visitou duas vezes. eu quero ser enterrada. quero todos vestidos de preto, chorando e soluçando. mas isso não é muito relevante, apenas quero deixar meus desejos aqui gravados para que não inventem de jogar minhas cinzas em itacaré.

o importante é superar a dor de saber que vai morrer e aguentar a dor em vida, enquanto se pode doer. a dor do estômago e do intestino. a do fígado eu não sinto já que o fígado não dói. dor de fígado talvez seja uma dor que não se conheça e talvez explique como eu me sinto. os ovários… como eu me esqueci dos ovários? meus ovários doem nesse exato momento, ou talvez seja meu coração.

viver se tornou um estado fúnebre, uma marcha para debaixo da terra. talvez isso te pareça triste, melancólico e deprimente mas agora eu sei que me resta vida e eu devo vivê-la enquanto posso. vai doer? já tá doendo. na vida só existe uma garantia, a morte. enquanto isso, eu vou me doendo, me doando, respirando e vivendo.

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