Em uma escala de 0 a 10
Senti dor e gemi, quando acordei na mesa da sala fria. Nem sei quanto tempo até lembrar onde estava e o que eu estava fazendo ali. Só consegui acessar o frio e a dor. A enfermeira me perguntou em uma escala de 0 a 10 quanto que estava doendo. SEI LÁ! Que porra de pergunta é essa, está doendo e eu quero que pare de doer, não é suficiente?
DEZ! Gritei. Talvez fosse até mais. Mas parece que 10 é quantidade suficiente de dor e me rendeu alguma morfina. Apaguei. Quando estava despertando, antes mesmo de abrir o olho, já me ouvia gritar, chamando minha mãe e pedindo minha casa. E de novo a pergunta da escala, seguido de um:
— Não posso te liberar para o quarto se você ainda estiver com dor. Então me diga, em uma escala de 0 a 10, quanto que está doendo?
Lembro de ter pensando que iria ficar ali para sempre se fosse assim. Mas só chutei:
— Sete?
E ficamos nesse jogo dolorido.
Cinco. Aguarda que a anestesista já está vindo analisar você.
Será que na verdade você não quer fazer cocô? Oito.
Vai doer um pouco mesmo, é normal, todo mundo que faz esse procedimento sente a mesma coisa.
Tentei como pude explicar que era uma dor localizada, bem concentrada, quase personificada. Parecia que emanava lá das costas só que mais pra baixo, depois da cintura, mas antes de chegar na bunda. Ali naquela hora ninguém conseguiu entender que aquela dor que eu estava sentindo não era mais física.
Um ano atrás eu não soube colocar a minha dor em uma escala de 0 a 10. Mas se me perguntassem hoje o tamanho dela eu saberia dizer que tem exatamente 2,5 centímetros e ainda assim eu não estou conseguindo guardar em lugar nenhum. Consigo também dar nome para ela, ia se chamar Letícia se fosse menina, ou Ícaro se fosse menino. Mas não deu tempo que descobrir. Na duvida eu estou chamando de amor.
*a Revista Mormaço é uma publicação independente, coletiva e voluntária da Mormaço Editorial. você pode nos apoiar dando palminhas nos textos e compartilhando-os. nos encontre nas redes sociais com o @mormacoeditorial.
