exercício para a vulnerabilidade I, ou carta ao monstro, ou já que o ano vai acabar mesmo
penso no que dizer quando não se sabe o que dizer, quando não se sabe para quem dizer, quando não se sabe porquê dizer. o que dizer quando não se sabe nem mesmo se quer dizer? o que me faz pensar que na vida, às vezes, a gente precisa dizer alguma coisa. ainda que a contragosto.
o que me faz pensar no que te dizer. e ao pensar percebo que talvez, de certa forma, eu esteja pensando no que me dizer. o que me faz pensar se esse alguém para quem escrevo, na verdade, não sou mesmo eu e essas palavras não são, todas elas, para mim. o que me faz pensar naquela frase atribuída a hobbes — que vira e mexe eu usava nas redações da escola, mesmo sem saber direito o que ela significava — mas porque a achava bonita. o que me faz pensar que na vida, às vezes, a gente precisa dizer alguma coisa bonita. ainda que não saiba direito o que ela significa.
o que me faz pensar se não seria por aí a poesia: perder o controle da significância.
o que me faz pensar, mais uma vez, na inversão da ordem natural das coisas. explico: queria não ter que te escrever nada. queria era te entregar uma folha em branco e dizer é isso aí. pega essa folha em branco e te vira. te vira pra encontrar a poesia nela. que nada, cansei. agora é a tua vez. te vira e escreve tu alguma coisa para mim. pega essa mesma folha que deixei em branco e diz tu alguma coisa. encara tu essa folha. e aí escreve. escreve e me devolve. mas devolve mesmo, que ler eu ainda quero.
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